Rodando a Cultura…
Em cerca de uma semana, fui ao Cinema na Graciosa, ao Teatro na Terceira e fui ouvir Música em São Miguel. Não parece ser nada de especial, mas é sintomático do fulgor cultural que estas nossas ilhas têm, por muito que haja quem ache o contrário. Ou pelo menos adultere essa realidade.
Por razões profissionais, tenho muitas vezes o privilégio de andar pelos Açores, numa ronda quase-contínua, que permite, para lá da felicidade de pisar e fruir cada um destes belos rochedos, ir aferindo o que se passa em cada um deles. E passa-se muito. Mesmo nas ilhas mais pequenas. É preciso é estar bem informado e ter as companhias certas.
Numa terça-feira à noite, estive no Centro Cultural de Santa Cruz da Graciosa – um belo equipamento, projetado pelo Arquiteto Miguel Cunha -, na sessão do meio da 16º Festa do Cinema Italiano, que já passara pela Terceira. Às 17h30, a oferta era “Interdito a Cães e Italianos”, uma animação originalíssima sobre as agruras entre-guerras da família Ughetto, em que as árvores eram feitas de brócolos e as paredes de cartão canelado, num verdadeiro contraste com as super-produções digitais.
Mais um dia, e teria ido ouvir Jazz na sede da Associação de Músicos da Ilha Branca, onde a programação é quase sempre surpresa.
No sábado à frente, na Recreio dos Artistas, foi tempo de assistir à quarta subida ao palco do Hélder Xavier, do Ricardo Ávila e do João Félix - que surpresa boa -, no formato "A Balada de Portuguese Joe", pela Cães do Mar.
Versatilidade pura no velhinho cinema angrense – o primeiro onde entrei, antes do Sismo, ainda o palco era do lado contrário - retratando desventuras da diáspora, com humor e empenho, recorrendo aos trunfos de três artistas locais, que apenas o são pela geografia.
A proximidade permite-nos ver a criação na ótica da amizade e do dia-a-dia. Para mim, isso ainda a valoriza mais. No caso, os atores podem ser colegas de trabalho ou gente com quem bebemos copos e ouvimos música. Também são coisas da insularidade.
Quatro dias passados e estava no acolhedor Auditório do Centro Cívico e Cultural de Santa Clara, em Ponta Delgada, para uma hora e meia de Aníbal Raposo, conhecido cantautor micaelense, bem acompanhado por Paulo Bettencourt (guitarra) e Romeu Presunça (percussão), onde a música recebeu palavras de Natália Correia, Cecília Meireles, Mário de Sá Carneiro e do próprio.
Das três casas, foi aquela em que conhecia menos gente na audiência. O som excelente e a familiaridade imprimida foram a melhor forma de terminar um dia de trabalho, confirmando que sabemos bem mais dos músicos regionais do que pensa a generalidade das pessoas. Recordei que, há muitos e muitos anos, o próprio Aníbal me ofereceu, num concerto na então Calheta de Pêro de Teive, uma folhinha A4 com a letra da sua Cantiga dos Açores, que se encaixa perfeitamente nesta pequena viagem.
Sair de casa para apreciar arte, partilhá-la com os outros e apreciar talentos, é sempre um gosto. Mesmo se há quem nunca o faça. E ainda menos elogie essa movida. São opções, e eu que não sou de erudições nem gosto de coisas aborrecidas, acerto quase sempre no ganho pela novidade…