O Albertinho, figura da nossa infância
Há dois dias recebi uma mensagem que me fez lembrar do nosso vizinho, na longínqua infância de verão, passada no Porto Martins: o Albertinho. Aliás, o Alberto Gonçalves, carteiro ainda do tempo das bicicletas e depois próspero empresário de pesca, com boas fainas no seu "Paula Gonçalves", o barco de madeira cabinado com que fazia a diferença nos idos anos 80, primeiro no Porto de São Fernando, e depois na Doca da Praia da Vitória. Lembrei-me aliás das longas horas que passei com o meu Pai na garagem do Albertinho, que se tinha livrado da tropa por um pedido do meu Avô Fernando, onde ele desfiava histórias de vida com entusiasmo. Umas da sua atividade de carteiro, numa Terceira de terra batida e arrabaldes, onde a passagem para a bela Jawa lhe tinha mudado o trabalho definitivamente. E depois das horas no mar, em busca de sustento e lucro, entre tempestades e outros obstáculos, numa altura em que quem não trouxesse peixe dava a saída como perdida, não contando as condições em que isso acontecesse. Entre os episódios, engendrava reparações nas várias peças que havia sempre para arranjar. Ele era também um verdadeiro "engenhocas". A casa dele ficava entre a casa dos nossos avós e a do José e da Balbina, onde o nosso Bisavô Sousa Junior tinha tido a venda. O Albertinho tinha um VW Carocha casca de ovo, impecável, daqueles de patilhão com borracha. Mas não cabia em si de contente quando, já a aproximar-se da reforma, ou mesmo já reformado, estacionou o belo Toyota Carina E vermelho à entrada de casa. Aquilo é que era um mimo de carro, sempre a brilhar e protegido das intempéries. Há não muito tempo, "aconselhei-o" ao Vasco Pernes como convidado para os seus programas na RTP/Açores, que descobrem a alma às nossas ilhas. Ele já tinha ouvido falar dele, e ficou na longa lista. É que sempre me senti orgulhoso de ser amigo do Albertinho, ele era uma instituição no antigo Curato, e quando nos cruzávamos havia algo - mesmo que breve - para se dizer. Mas a verdade é que os anos não perdoam. E nos últimos passei a ver muito menos vezes o Albertinho e a Dona Paulina, a sua mulher, que também nos mimava quando crianças, partilhando um sorriso de olhos brilhantes, e também ensinamentos de coisas simples da terra. Eles nem estavam longe, a uns quilómetros, na Vila Nova. De onde veio a mensagem de há dois dias, que me fez prometer uma visita em breve à nossa antiga vizinha. Infelizmente, já não visitarei o Albertinho, que nos deixou inesperadamente, faz em outubro um ano. Na altura, não fui capaz de escrever uma linha sobre ele. E nem sei se hoje as que escrevi o mostram como era. Uma verdadeira figura da nossa infância, que junto no rol das saudades que se vão amontoando com o crescimento...