Bilhete de Natal.
Simplesmente porque é a época que se vulgarizou para fazer balanços e afagar os ânimos. Para as pazes e os abraços. Para as ofertas e as cores, que no resto do ano estiveram apagadas ou escondidas. No Natal tudo parece sanado. Quase de uma forma irritante. Como irritante se torna a música nas ruas, repetitiva e insistente, num apelo contínuo às compras e ao comércio local. Porque no Natal também há que guardar uma trégua para as lojas, onde nunca se entrou em onze meses e meio. É assim. Cada vez mais. Há uma clara capitalização dos afetos, jogando-se o carinho em bolsa. Porque é Natal.
Mas o Natal é também um recordar intenso. Por ser data fixa, por comemorar o advento que quase todos esquecem, por nos convidar a ser melhor gente. No Natal dá-se. Quase obrigatoriamente. Mas dá-se. No Natal, tantas e tantas vezes, quase custa receber, por haver quem tão pouco tenha. Como se a fome se matasse com um sorriso.
Além de que, neste fim de dezembro e início envergonhado de inverno, qualquer raio de sol se pode confundir com uma lágrima. De saudade pelos que partiram. De falta das suas vozes. De confusão com quem está. Porque as parecenças parece que se acentuam no Natal…
Finalmente, e porque a Consoada está quase na mesa, há um cheiro inconfundível no ar. E não é por ser Natal. É um reflexo intenso das almas, que se querem encostar às recordações. Mantendo cada quadra festiva juntinho da anterior. Como um colo quente que a infância relembra. Como um abraço que já não se aperta. Como uma luz ténue, de várias cores, que os amargos de boca mantêm em pisca-pisca. Neste presépio enorme onde ainda nos perdemos a sonhar…