Até sempre, Campeão.
Horácio Franco morreu esta quarta-feira, em Ponta Delgada, a sua cidade natal. Tinha 62 anos e sofria de doença prolongada, um cancro que novamente o atacara, condicionando a sua intensa atividade profissional. Para lá dos oito ceptros de campeão açoriano de ralis – recorde que Ricardo Moura bateu em 2016 -, do seu extenso currículo constavam inúmeras vitórias nas várias ilhas, um título de campeão nacional de Produção, três presenças em provas do Mundial daquela categoria e até um pódio nacional no Rali de Portugal, integrando a equipa oficial da Skoda. Venceu igualmente, como navegador de “Larama”, o Rali de São Miguel por duas vezes, na década de 70. Mas nunca logrando o triunfo à geral, como piloto, na “sua” Volta à Ilha, depois Rali Açores e SATA Rali Açores, ambição assumida que motivou sempre uma carreira com cerca de 40 anos e enorme entrega. Correu a prova rainha dos ralis regionais, pela última vez, em 2008. Despedindo-se como o melhor piloto açoriano dessa edição, e acompanhado pelo jovem Diogo Lima, filho de um seu antigo navegador, o José Lima. Aliás, foram várias as gerações de amantes dos ralis que viram a sua paixão (re)unida por via da condução e da longevidade de Horácio Franco como piloto. Além de um grande campeão ele foi um motivador. Crítico quando tinha de o ser, mas realista face a um desporto onde nem sempre vingam os melhores valores. A par de tudo isso, era um empresário de sucesso, ligado essencialmente ao turismo, ocupação que o levou recentemente à vice-presidência da Câmara do Comércio de Ponta Delgada e a um lugar de destaque num organismo público que gere a promoção do destino Açores. Tinha duas filhas e dois netos.
Escrever sobre o Horácio Franco foi sempre um prazer. Exceção feita a estas linhas de despedida. E entrevistá-lo, coisa que aconteceu várias vezes, era sempre um desafio. Afinal estava perante um dos mais experientes pilotos nacionais, respeitado por todos os seus adversários, e um profundo conhecedor do fenómeno dos ralis, sem dúvida o enorme mote da sua vida. Em 2008, passadas umas semanas sobre a sua decisão de parar de correr e aproveitando uma deslocação de trabalho a São Miguel, fui ter com o Horácio ao seu escritório da Rua dos Manaias. A conversa durou umas duas horas, a entrevista uns 30 a 40 minutos. Nem tudo ficou gravado ou foi transcrito, mas foi visível a forte nostalgia – característica comum a ambos os interlocutores, os dois apaixonados pelos ralis -, e lembro-me de resumir “uma troca de recordações que, acredite-se ou não, acabou com os olhos a brilhar”… Passamos em revista a longa carreira, falamos sobre o panorama dos ralis à altura e perspetivou-se um futuro próximo para alguns dos nomes grandes. No ar ficou o desejo de um regresso pontual, acompanhando por Fernando Prata, e se possível no Rali da Grécia. No fundo, eram ainda sonhos, mantidos por um piloto de estímulos e muita vontade. Um piloto com tanto “veneno” – na melhor aceção da palavra -, “que nem às cartas sabia perder”, como dizia o Hermano Couto, recordando serões de ralis por essas ilhas abaixo. Em histórias de que fará sempre parte o nome do Horácio Franco, tão marcante e vitoriosa foi a sua carreira. Conhecia o Horácio Franco desde que me lembro de ser gente. Sempre o tratei por tu, por via da amizade com o meu pai e com o restante pessoal da génese do TAC. Acompanhei de perto as suas presenças a tempo inteiro no Nacional de Ralis, onde se cimentou uma amizade com o pressuposto partilhado dos ralis nos encherem a alma. Foi o piloto mais competitivo com que convivi e tenho pena de nunca ter andado ao lado dele, num carro de competição. Perdemos uma referência e um amigo, sabendo-se que as provas já não eram as mesmas sem ele. Até sempre, campeão.