A outra idade da Inocência
Foto: Zulmira Ávila
Sempre achei que tinha nascido na década errada. Um natural sentido precoce, a que se juntou o convívio constante, desde pequenino, com pessoas mais velhas - no TAC dos ralis, no Liceu de Angra onde a minha mãe e o meu avô materno eram professores, e mesmo na casa dos vizinhos Monjardino - fez-me sempre crer que, numa ideia de criança, devia ter sido grande para conduzir na Recta da Achada em empedrado, ajudar no sismo de 1980 ou votar Freitas do Amaral em 1986. Passada a barreira dos 40 anos, não posso assegurar que agora me satisfizesse já ter 50, mas confesso que houve sempre um hiato entre as vontades e a realidade, no que ao escalão etário diz respeito. Talvez sejam coisas de criança grande, afinal a idade da inocência é, cada vez mais, apenas o título de um filme de Martin Scorsese. E, está visto, nunca haverá a idade ideal para coisa alguma
Daí de que tenha sido com uma curiosidade terna que vi um grupo de amigos "sessentões" (ou próximos disso) abrir portas para a divulgação da sua Exposição Coletiva de Arte "Se-ssentas...", que está patente até ao próximo sábado (27), na Delegação de Turismo da Ilha Terceira, em Angra. A iniciativa foi do Rui Borba, amigo de longa data, que completou 60 anos há umas semanas, e que sugeriu o mote para que o dito grupo desse "um ar da sua arte para a entrada nos 60". Acreditem que o fizeram com graça e desprendimento, duas qualidade que muito aprecio.
Os artistas da mostra são o próprio Rui Borba (bancário e conhecido atleta veterano das nossas estradas, mas também um talentoso fotógrafo), a que se juntaram Dimas Lopes (médico e pintor), Emanuel Félix - Filho (ilustrador notável e um homem de imaginações e virtudes), Ilídio Gomes (uma das violas saudosas de "Os Sombras" e também pintor), Jorge Kol de Carvalho (arquiteto, que participa com fotografia), Paulo Mendonça (desenhador, jornalista desportivo e um homem da aventura) e Zulmira Ávila (artista plástica).
No convite da exposição pode ler-se uma citação de Emanuel Félix - Pai, o Poeta Perfeito:
Hoje quero da Vida
Que ela seja tranquila
Que seja uma dor e doa
Mas uma dor boa
Sem o sal que na ferida
A torna mais dorida
Como se trata de aconselhar alguém a visitar um espaço e a apreciar o que lá se descobre, pouco mais haverá a dizer. Mas passei pelo local e gostei do que vi. Fez-me pensar que também não há a altura ideal para nos revelarmos, ou para mostrar a alma neste ou naquele suporte. Talvez por isso, tenha sido fácil ajudar a divulgar a exposição. E entender que afinal, mesmo sem se conhecer a original, se pode sempre viver a outra idade da inocência...