A javardice
Parece que, a gosto de muita gente que deve imenso à Educação, a consagração da javardice está ser um fenómeno internacional. Confirmado a vários níveis, com honraria nas mais altas instâncias e, pasme-se, a ser já fator de escolha entre as pessoas. Porque entre mostrar-se espertalhão, desassombrado ou atrevido, os tempos juntaram ao leque a capacidade de se ser, eminentemente, javardo, para que o sucesso abrace a criatura visada.
Não inseri, em título ou no texto, o substantivo feminino que hoje trago - e já não dava corda à pena vai para alguns meses... - com letra maiúscula, para também não estar a ser um publicitador do modo/conceito. Com o qual tenho aprendido a viver. Tentando combatê-lo amiúde, fazendo piadas com os factos a ele associados, e por vezes baixando mesmo os braços, perante a força que a expressão enraizada parece significar no nosso dia a dia.
A javardice é, nos tempos que correm, transversal à sociedade. Desponta em quem nos governa, alia-se a quem aplaudimos, entra-nos porta dentro pelos media e pelas vivências, abraça-nos as jornadas de forma tão afável, que até se duvida de ter mau fundo. É que a javardice é quase comercializável. Brejeira e de fácil acesso, corre qual palavra marota, e instala-se nas veias sem avisar. Tem uma força que já ultrapassou fronteiras. E parece haver cada vez menos esforço em debelá-la. Antes pelo contrário...
A vitória aparente da javardice vai-se mostrando na política, no desporto, até nas artes - lembram-se de um realizador que mandou o público à outra banda, por não entender o seu filme a negro? -, e não é um fenómeno recente. E o que a diferencia, na sua versão mais atualizada, é que agora dá cartas absolutas. Ou seja, faz maiorias, produz vitórias e cria consensos.
Se não é para as crianças cumprimentarem os mais velhos, pois que vença a javardice. Se não é para se tratarem bem os idosos, mais 10 pontos para a javardice. Se as autoridades servem apenas para ser fintadas, pois que se abram alas à javardice. Se os professores não são merecedores de respeito, pois que a javardice lhes dê conta da vida. Se a verdade e a decência já não garantem lugares nem alvíssaras, ó javardice a quanto obrigas. Se a intriga passou a ser traço comum a cada esquina, pois que, javardamente, ela vá sendo alimentada. Se o bem comum tem de passar por atos menos claros, por duas caras constantes, pela ausência da palavra e pelo enevoar do que pareciam ser as regras da sã convivência, pois que se instale a javardice. Ela já aqui está, e falta apenas pôr-lhe a mesa e arranjar-lhe boas acomodações. Mesmo sabendo que come de pé, possivelmente com as mãos, e, terminada a refeição, arrota alto e descansa refastelada em qualquer canto. Para melhor sonhar com quem poderá beijar amanhã...