E depois do Natal... (crónica)
Os dias posteriores ao Natal costumam ser, por razões naturais e mesmo de origem física, enjoativos. Nem o escrevo pela costumeira enchente de campanhas publicitárias e solidárias nos dias que antecedem o dia comemorativo do nascimento do Deus-menino. Mas a verdade, e os anos assim me ensinam, no Natal já nem é tão melhor esperar pela festa. Ou então as pessoas não comungariam a viva voz que compram quase tudo durante as últimas horas ou que vão para casa a correr cozinhar a ceia, desvirtuando-se as ditas tradições da quadra por uma crescente febre consumista que resulta em uns tantos brinquedos postos de parte pelos mais felizardos, assim como na consolidação do mundo de contrastes em que estamos inseridos e que, especialmente no Natal, facilmente se identifica como cada vez mais próximo da porta. Nesta altura do ano, e atendendo à ordeira assumpção de que nela se devem elevar os melhores costumes e antever novidades felizes, até devia preencher este espaço com frases alegres, um ou outro motivo de ligeira emoção, e terminar o quadro com os desejos mais sinceros de um ano novo pleno de alegrias e euforias, este último o sentimento que penso mais se vai adensando na nossa sociedade. Igualmente as adversas condições meteorológicas que varreram o país e o mundo, numa espécie de contas atrasadas por recentes invernias de pouco rigor, me retiram o alento da escrita feliz, comprovando-se em toda a parte infelizes intervenções humanas sobre uma natureza que padece à fome da alteração, num clima global que nos empurra para uma coisa sem regresso e a que ninguém faz frente com plena vontade. Neste andamento, as palavras desta breve crónica poder-se-iam encaminhar à catástrofe global, o que não será propriamente a vontade do seu uso, pelo que voltemos à Consoada, aos doces da mesma sem o amargo das ruas e mudemos de sentido, afinal também sem volta está este ano, que de positivo apresenta saldo duvidoso.
Numa breve resenha aqui partilho duas imagens quentes de uma noite de Natal num norte chuvoso e onde as casas aquecidas em muito me perturbam as amígdalas, mormente pelos contrastes de temperatura que originam. Primeira imagem a das crianças, destinatário principal de toda uma fantasia criada em volta de papeis coloridos, músicas que se repetem até à exaustão e reluzentes novidades das ainda mais brilhantes lojas por onde milhares passaram nas últimas semanas. Mas é o seu sorriso que faz compensar a nossa cumplicidade em toda essa ilusão. Deixemos que os sonhos lhes inundam as vidas enquanto é tempo disso mesmo. São o espelho do que o Natal terá de bom. Assim como a mesa, a tradicional mesa de Natal, culpada infame do enjoo referido nas primeiras duas linhas do texto, e onde ganham brilho o bacalhau, legumes e companhia, que devoro à moda de mistura, fazendo-lhes uma cama basta de azeite fervido, alho e colorau. O insípido peru, iguaria a que nunca me renderei, é sempre salvo pelo mesmo. Batatas deliciosas, recheios macios e grelos que confirmam às papilas gustativas a voracidade que um tinto encorpado ajuda a completar. E depois vêm todos aqueles doces e afins, qual deles o mais impressionante na carga calórica e no significado patrimonial da nossa gastronomia. Fazendo culminar cada refeição. O resto já virá fora de época…
Em jeito de rematar a prosa, e pelo que tenho visto, começou logo na manhã de segunda-feira a correria aos saldos, havendo mesmo quem tenha ido devolver os presentes recebidos na noite da Consoada, na esperança de obter uns preciosos euros para o combate à crise que, afinal, também esteve presente nos últimos dias do ano. Sobre os mesmo saldos disse, e bem, uma anafada cauteleira – também ela a braços com a dita crise… - da Rua de Santa Catarina: “Deviam ter feito era em antes”…! Que 2010 não lhe dê (mais) razão...