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PORTO DAS PIPAS

miguel sousa azevedo - terceira - açores

PORTO DAS PIPAS

miguel sousa azevedo - terceira - açores

01.Ago.05

Até logo, Porto.

PortoFoz.JPG
Daqui a umas horas regresso à Terceira. Pela primeira vez com viagem só de ida e com a indefinição do modo de vida como único obstáculo ao reunir de dois mundos.
Para trás deixo a cidade-sombra que aprendi a ter como minha nos últimos sete anos. Passou-se muito tempo e tanto ainda há-de passar. As marcas ficam e o rio enfim, faz como eu, e ruma ao mar. Foi quase por acaso que para aqui vim e isso ainda me faz crer mais na certeza da pena com que se escreve o destino. Neste Porto descobri ligações que apenas o sangue em quente permite sentir. Neste Porto cresci tanto que quase me esqueço da data anterior. Neste Porto aprendi a amar e a dividir como nunca e levo nos lábios a razão de todo esse enlevo…
Da Ribeira até à Foz e das pessoas às palavras. Assim vive esta cidade e assim quis com ela viver. Faz parte de mim assumir os sítios por onde passo como meus. Faz parte de mim encontrar numa pequena pedra ou no mais simples gesto a noção do dia. O pensar da noite. O ressoar da manhã numa realidade que se vai construindo com passos medrosos e olhos de curiosidade. Foi assim que descobri que a vida era mais que só até ali.
Parei várias vezes onde a massa da água entra no mar sem licença. Vinda dos ares das vinhas e repondo a história dos tempos dia a dia. Sentia-me um pouco como ela na busca incessante do horizonte e na confusão presente de não distinguir céu ou terra. Lá longe e na barca da saudade iam-se cruzando odores e as flores renasciam a cada primavera. E de lá vinha o desgosto, o soluço, o grito alegre ou a graça da amizade. E por aqui me ficava em contemplação ao passado, sem perceber que apenas o presente me deixava lúcido e grande para seduzir. E como foi brilhante o caminho que se talhou lado a lado com ferramentas de outros tempos e com valores sem extinção. E como foi bom percorrer outra estrada, paralela a esse caminho, mas povoada de gente e gente e cores e barulhos, e como é bom olhar por cima do ombro e sorrir. Como aquela árvore de uma praça que esqueci, como aquele gato que fugiu pelo muro, como aquele dia de sol que queimou, como aquele anel de três vidas que insiste em ultrapassar o queixume e as barreiras. Localizo neste e naquele instante um marco de afirmação. Uma sentença de paz que só se resolve com a admissão de novas provas. Provas duras e revoltas, forçando a entrada na barra pelo lado contrário. Fazendo ver à maré que não baixou em tempo certo e alargando os olhos ao sol que, expectante, não se decide na hora de cair.
E revêem-se as horas de júbilo azul e branco, cores do céu e das nuvens, com que se pintaram lágrimas e se firmaram apreços. E logo ao lado a memória atira-nos para passados distantes e horas cujo fim é ainda hoje. Correm sempre e atravessam-se às mais novas com o desdém de quem marca posição…
E numa linha de esboço de prosa trauteio os lugares de eleição. Canto as músicas que ensinámos de mansinho e rogo por novas partilhas. Tão fortes como as que fomos aprendendo ao som da tais músicas e com os olhos postos nesse lugar. O lugar do lado sempre com dono e sempre ocupado. O lugar do lado do coração e o espelho da busca que cessou por ser completa.
Fecho os olhos e quase o reflexo de aterrar com os pés levantados se apresenta. Volto ao ninho dos amores e trago comigo o peito cheio. Venho sem pressas e voei sem angústias. Reclamo o meu espaço como quem chora um verso perdido e encontro a tal nota que faltava para compor a estrofe perfeita. Dobro-me para apanhá-la e com ela vem uma flor. Aquela silvestre e teimosa que nunca pára de crescer por onde passas. Junto-a, ao fim da tarde, com o cheiro do mar que voltou da faina. Aponto-lhe as pétalas, duas a duas, à tua estrela de menina. E coro por não saber como se chama. Os olhos rasgados indicam-me que o sorriso foi alcançado.
Apenas porque nos vamos sentar em mais um banco de jardim e rir. Apenas porque vamos contar mais estrelas e porque há as que caem como o sol no mar. Apenas porque um pássaro nos faz despertar a alma ao cantar o anoitecer. Apenas porque há sal e musgo e pedra. Apenas.
Por buscar mais sorrisos e por um ar mais puro. Ou tão só por um egoísmo de não querer ser mais um de muitos. Vem comigo. Diz “Até logo, Porto”…

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