Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

PORTO DAS PIPAS

miguel sousa azevedo - terceira - açores

PORTO DAS PIPAS

miguel sousa azevedo - terceira - açores

A Vida e a Dona Margarida… (crónica)

29.09.05, MSA
imagemMargaridablog.jpg
Há já uns valentes anos que não ia ao Teatro na Terceira. Para terem a noção de quanto tempo passou, e se a memória não me atraiçoa, acho que a última vez que me sentei numa plateía da ilha lilás e ouvi as três pancadas de Molière terá sido para uma peça, no Teatro Angrense – cujo nome já foi no rol do esquecimento –, que juntava em palco quatro actrizes, sendo que duas delas eram Helena Isabel e Julie Sargent. Aliás até posso acrescentar que o mote dessa ida foi mesmo ver a primeira delas…ao vivo.
Mas, e passado todo esse tempo – que nem sei precisar… -, fui a semana passada à estreia da mais recente produção do Grupo de Teatro “A Teia”. Uma encenação de António Terra, para um texto de Roberto Athayde, e que colocou “Apareceu a Margarida” à responsabilidade da actriz Judite Parreira, que assim debutou na fórmula do monólogo. E se bem não quis acusar a responsabilidade de representar um texto que teve já dezenas de visões e actuações diversas, e um pouco por todo o lado do mundo, melhor o provou revelando um à vontade e um brio profissional de fazer corar muito nome graúdo das artes de palco. Devo dizer que nunca tinha assistido a nenhum desempenho da actriz, o que mais ajudou a ficar impressionado face ao enlevo e a entrega com que presenteou as cerca de 60 pessoas que emolduraram o cenário intimista criado para o efeito sobre o palco do Auditório do Ramo Grande. Mas mais do que fazer uma crítica à peça em si, afinal que traquejo tenho eu na área (?), deliciou-me a ligação que um texto riquíssimo e variado fez, num ápice, à minha forma de ver coisas da vida.
Sem querer “estragar” a surpresa do desenrolar da peça, até porque parece que será reposta e ainda bem, tenho de aferir depois daquelas duas horas (e duas “aulas”…) de Dona Margarida, assim se chamava a tresloucada professora que a brasilera Marília Pêra em boa hora encarnou, que a figura do poder abusivo se mostrou em excelência. Um pouco como todos sentimos nas nossas vivências diárias, aquela impotência perante factos consumados até me incomodou de início. Mas logo me apercebi do rumo que o autor dava às palavras, assim como da forte componente física cujos movimentos cuidados e um bom jogo de luzes souberam encaminhar-nos ao âmago das aflições e dos sentidos…
E depois havia aquele retratar fiel de uma “Dona Margarida” (como muitas haverá…ou muitos, noutros contextos…) que era portuguesa ou quase praiense. Uma sobreposição do dia-a-dia com um texto que se revelou intemporal, sabendo-se que saiu da ditadura brasileira e que nas entrelinhas dos seus suspiros há um grito de liberdade premente. Sem me socorrer do programa da peça facilmente identifiquei o que todas aquelas palavras e impropérios (na dose certa e na hora marcada…) poderiam dar como recado a uma realidade também insular em que a nossa prisão somos nós mesmos e a vontade de “sair” dela se dilui na construção de novas ideias. Tudo isso se “tirava” daquelas duas horas (e duas “aulas”…). O crescimento do ser é versado em diferentes alturas e, sem me imiscuir na eventual carga erótica que a peça transporta, pode-se aclarar ao longo das frases uma bipolaridade crescente nos comportamentos mais extremos ou lascivos que o decorrer da mesma acarreta. Tal como as andanças da vida. Tal como os momentos que antecedem ir ao Teatro. Ou tal como os que se lhe poderão seguir…
Mais do que uma aula ou uma lição, que são o ambiente recriado para se desenrolar a acção de “Apareceu a Margarida”, há mensagens e dicas que levamos para casa e para os dias. Há um “depenicar” sentimentos que se rasgam pelas palavras fortemente tratadas com desdém, compaixão ou raiva. Há, no final, aquela sensação de que valeu a pena assistir a tudo. E guardar a parte que nos coube dos ensinamentos. Afinal era mesmo uma “aula” e afinal o Teatro pode mesmo fazer parte da nossa vida. Basta que o encaremos como tal…uma parte.
Em jeito de prova e posso acrescentar que, durante a tal peça de que não me lembro o nome e onde brilhava Helena Isabel, uma troca de olhares nos agradecimentos finais terá sido, para mim, a parte mais intensa do enredo. Depois das gargalhadas ou desilusões da peça ou da vida, também aquela troca de olhares fez parte da vida e dos dias…

2 comentários

Comentar post