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Cá por casa nunca se falou muito de política. Foi mais um dos temas que fui descobrindo sozinho. Embora fosse petiz de perguntar, as grandes questões foram sempre mote para matar a curiosidade e fazer juízos próprios. E até vendo bem as coisas, na política só devia ser assim, e não ao jeito de herança clubística ou do vento que corre de feição.
Mas puxando pela memória, o meu Avô Fernando – que foi um dos primeiros responsáveis locais do Partido Socialista, após a Revolução dos Cravos -, contava-me algumas coisas “do tempo do Salazar”, da mesma forma que me contava dos jogos do Porto no Campo da Constituição, me ensinava a ler, a escrever e a desenhar com traço firme, mas dando largas à imaginação, enquanto descobria os países do mundo num globo que era um candeeiro.
E a verdade é que tenho pena da fase da vida em que isso aconteceu, porque era muito pequeno para entender a extensão dos episódios avulsos que me passou. E quando já teria estofo para entender ao que vinham, foi a saúde dele a sanear a vontade da partilha, fechando-o muitas vezes num silêncio que se calhar tinha beleza própria.
Nos anos 80, ninguém na Escola Primária ou no Ciclo ficava a perceber patavina do que tinha sido Abril. Pelo menos é essa ideia que guardo. Mas também me lembro de, na segunda eleição de Ramalho Eanes – de quem o Avô dizia que era um tipo cheio de coragem -, eu ter escrito uma carta de felicitações, com a bandeira de Portugal desenhada no envelope e endereçada ao Palácio de Belém. Se fosse hoje, teria ganho uma visita guiada por Marcelo. Num já bem morno pós-revolução, nem resposta tive.
E sei que ele se desgostou com Mário Soares, sem ter chegado à razão que a isso levou, nunca exibindo as fotografias tiradas junto do futuro Chefe de Estado, em quem não votou para Presidente. “Hoje votei Pintassilgo”, disse-me na primeira volta. E nunca revelou o que fizera no boletim, mantendo o seu voto secreto, na contenda Freitas/Soares. Enquanto eu lhe cantarolava o “Para a frente, Portugal”, que era a música mais gira da campanha…
Vagueando no tempo, confirma-se a sensação de que, mesmo nessa altura, e à semelhança do que aconteceu no período quente dos cravos e da Liberdade, as coisas demoravam muito mais tempo a chegar a estas ilhas. E as pessoas, desconhecendo o facto, não se podiam importar com ele. Assusta-me é que hoje, com a informação na ponta da unha, continuem a assobiar para o lado em relação a tanta coisa essencial, a tanta decisão que nos afeta, a tanto mundo que nos ignora.
No fundo, há uma franja grande da sociedade que se abraçou à data que esta semana comemora 50 anos, mas que enviesou completamente os princípios que puseram militares e civis a remar contra a opressão, em nome da justiça e pelo povo. Num tema que é tão extenso, que nem me atreveria a focá-lo em muito mais que isto.
Mesmo porque, não tendo vivido o Estado Novo, naturalmente que corroboro e enalteço (d)os valores de Abril. Mas se há coisa que me faz espécie é esta tendência crescente de confundir(em) liberdade com libertinagem, num aproveitamento inquietante do trabalho e da luta de milhares de portugueses. Infelizmente associado a uma nova boçalidade, que grassa assustadoramente pela lusa pátria. Essa será, então, a minha preocupação de Abril…