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Acho que há bocadinho passaram três semanas, Mãe. O alívio inicial, por ter cessado a tua luta desigual, passou a um enorme vazio no coração. Diz-me um amigo que esse vazio se vai encher de coisas boas. Acredito que sim. Contudo, tenho remoido feridas, da mesma forma que beijo recordações.
Que saudades de ti, Aldinha.
O cidadão comum - bastas vezes desinformado e outras tantas tendencioso - continua a achar que cabe aos governantes legislarem e decidirem todos os passos corretos em tempo de pandemia, furtando-se os próprios às suas responsabilidades. Enquanto assim for, isto não passa. Mas é que não passa mesmo.
Faleceu na quinta feira o José Greta. Era o único dos Filósofos da Rua - retratados por Augusto Gomes - ainda vivo, “um indivíduo alto, na casa dos trinta, cabelo sal e pimenta, falar afeminado e andando com requebros andaluzes”, assim o definiu o conhecido escritor por tempos dos anos 80.
O José foi marca habitual das ruas da cidade de Angra até há cerca de uma década. Uma pessoa querida e que sempre se soube comportar, dizia-se. E era mesmo assim.
Homossexual assumido e resolvido, serviu muitas empresas e famílias desta terra, fazendo limpezas e recados, granjeando confiança e respeito. Porque o José era como era, e todos o acarinhavam, salvo alguns episódios menos alegres que, como o próprio contava, “se resolveram por si”.
Das atitudes altruístas que lhe conhecíamos, àquela forma meio-atrevida de agir, o José juntava uma bondade que era mesmo dele, que transbordava o “boneco” popular, e quase fazia conhecer o homem que há muito virara os 70 anos, e que fazia parte do nosso trivial.
Há uns bons anos, aportou ao Lar de Idosos da Santa Casa da Misericórdia de Angra. Passado algum tempo, foi-lhe atribuída uma casa de habitação social. O José não se deu, não queria viver só, e regressou ao convívio dos mais idosos, fazendo aqui e acolá algumas voltas. Sempre que descia ao centro da cidade, era bem recebido e retribuía com educação.
Conheci-o em 1997, quando integrei a comissão da Tourada dos Estudantes. Mandava a praxe que se oferecesse um bilhete ao “nosso” José, como então percebi seria forma de o tratar. A uns dias do Domingo Gordo, ele abordou-nos e pediu mais um bilhete “para o sobrinho, e outro para a sobrinha…”, o que o presidente da comissão recusou, e a que eu reagi rasgando logo do bloco 4 ou 5 ingressos, que ofereci ao bom do José. Ele apenas disse - sobre o então presidente -: “não gosto dele” e, virando-se para mim, “muito obrigado, e tudo de bom para ti”. Desde então, o respeito e o cumprimento ordeiro não mais cessaram, e percebi que ali estava uma pessoa, sofrida na vida, mas com virtudes que fui conhecendo pelos anos.
Neste 2020 atípico e de más memórias, têm desaparecido figuras de proa, dos mais variados setores. Pois o nosso José era bem do povo. Que dele já sentia falta pela prolongada ausência, e que agora o viu partir.
Esperemos tenha um santo descanso. Adeus, nosso José.
Figura sobejamente conhecida na Ilha Terceira e nos Açores, faleceu hoje António Rodrigues Ormonde, o José Greta. O Miguel Sousa Azevedo recorda-nos um homem que marcou várias gerações de terceirenses.
Porque a eternidade não é para todos.
Assinala-se hoje o Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, uma efeméride que confirma a escassa evolução cultural e social do nosso mundo. O ideal seria que esse pressuposto fosse coisa do passado, mas está ativo e parece que a tendência é crescente, embora haja estatísticas amaciadas e imensos recursos para o socorro. Em suma, os homens que agridem mulheres - é disso que se trata - são umas bestas. E os restantes dias do ano cunham o triunfo dessas bestas...
Quem não bebeu chá em pequeno - e pequeno se mantém -, bem pode dar avales para que se comprem toneladas. Vai sempre faltar-lhe a classe da infusão.
20 episódios da segunda temporada repostos na RTP-Memória. Não perdi um que fosse.
Devo estar a um pequeno passo de me tornar um perigoso fascista chauvinista...
Jogar “ao sério” é uma atividade que muitos terão exercido durante a infância, ou mesmo a adolescência. A brincadeira, entre duas pessoas, consiste em olhar fixamente o parceiro, perdendo a disputa o que se rir primeiro. Haverá ainda as variantes de não pestanejar, não falar ou não desviar o olhar, como fronteiras para a derrota, mas, para campeões como eu, fixemo-nos – já que é esse um dos motes da coisa – na capacidade de não rir. Embora fazendo sempre com que o outro se “escangalhe”…
Não sendo uma modalidade desportiva, jgar “ao sério” é uma longínqua memória que, só passado muito tempo, percebi ser um muito eficaz teste à nossa personalidade. A mesma que, penso, tendo traços básicos de nascença, também evolui pela vida fora. Não sei é se sempre no melhor sentido.
Que me lembre, e para além das rijas batalhas com uma prima quase da minha idade, saí vitorioso em todas as disputas do joguinho que hoje resolvi recordar. E não tenho em vista grandes dificuldades vividas na ultrapassagem dos adversários de ocasião. Esses sucessos fazem cair por terra qualquer teoria relacionada com frieza ou calculismo associada aos bons desempenhos a jogar “ao sério”.
No fundo, o truque consistiu sempre em sorrir com o olhar, uma opção que hoje em dia bem pode ser utilizada, já que o ar apático e equivalente que as máscaras da pandemia nos oferecem pede mesmo um brilhozinho nos olhos.
Voltando ao jogo, e frisando que nunca fui um competidor acalorado ou obsessivo, o jogo “do sério” era uma tarefa corriqueira. Fixava então o olhar no adversário e, de corpo firme e concentração elevada – outra falha de ação que tenho aos rodos -, iniciava um “namoro” sem sorrir, que resultou em todas as vezes num bem disposto triunfo.
Li algures que essa será uma capacidade que os jogadores de Poker aprendem a aprimorar. Não sei se é mesmo assim, até porque todos os jogos coletivos de cartas me provocam uma estranha urticária. Esses e todos os outros em que temos de pensar muito, prever e ser pacientes. Alinham regras que são o oposto da minha forma de ser. E, sendo opcionais, vou-me dando ao gosto do afastamento.
Mas veio o assunto à baila porque jogar “ao sério” se vai tornando num desafio recorrente, à medida que os anos passam. Na mediatizada e supersónica sociedade dos nossos dias, cada vez menos importa a nossa verdadeira reação, que está cada vez mais concentrada em “emojis” e abreviaturas. O ser humano tende a uma uniformização que assusta, escorregando no rol das modas e frases feitas com uma facilidade estonteante.
Vai daí e até as discussões do dia a dia parecem ser sempre as mesmas, ditadas por redes e interesses que se avistam ao longe, e fazendo com que a própria seriedade – nem tanto a mesma do jogar “ao serio” – seja cada vez mais uma longínqua brincadeira de crianças.