Joel Neto na Biblioteca
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Foto: Margarida Quinteiro
Se há coisa que me agrada é elogiar as novas gerações. Numa altura em que se avança que aos mais novos tudo é facilitado - numa "culpa" que aponto aos pais e mães do pós-Abril, que quiseram confortar os seus mais que a conta, mas isso são outros assuntos -, há muitos jovens que lutam pelos seus sonhos. E que se sacrificam para tal. No egoísmo reinante de uma sociedade de consumos imediatos, o que devia ser uma regra é agora uma razão para elogios. Mas ainda bem que existe. Ora, daí até ao perseguir de um sonho, intercalando a apreciação com o bom gosto patente a vários níveis, leva-me a conversa para o concerto da semana passada, na sede do Alpendre-Grupo de Teatro, onde o Flávio Cristóvam - Cristóvam é o nome artístico corrente, que ainda não sabe se vai manter... - quis estar bem perto do seu público. E em boa hora o fez.
Numa sala que proporciona a proximidade, e onde é fácil criar bom ambiente, foi com o também jovem, e também terceirense, João Félix, que a noite começou. E que bem começou. O neto do poeta-perfeito de Angra cativou a plateia com alguns temas que já andam no assobio comum, assumindo o tom intimista que o espetáculo queria oferecer. Passou depois a pauta ao obreiro da sessão que, regressado de quase duas dezenas de atuações num só mês - andou a tocar pelo estrangeiro e a promover o seu álbum no universo nacional das FNAC -, partiu para uma conversa com todos, em que os desabafos iam servindo de mote para o tema seguinte. O meu texto não é de perto uma crítica musical. Até porque, como em tudo na vida, me demito de grandes explicações quando gosto de alguma coisa. E poucas vezes vou em ondas. No caso em apreço, gosto da voz do Flávio - como gosto da voz do João -, admiro a faceta comum de bons executantes que se mete pelos olhos dentro, e mais ainda sorrio à conta de uma melancolia musical, que apenas expressa em arte personalidades maduras - mesmo se são "miúdos" a chegar aos 30 -, providas de bom humor e com muitas ideias próprias, bem ao contrário dos carris ideológicos que a maioria parece querer seguir nestas bandas. Pois bem, gostei muito do que vi, ouvi e entendi. Especialmente porque possibilitou acompanhar um trabalho de fundo enorme que o Flávio (Cristóvam) faz há bastante tempo. Na sua forma de buscar a perfeição...que depois permite a tipos mais velhos, como eu, a procura de adjetivos para alinhavar uma prosa de orgulho pelos filhos notáveis da ilha. Sem falar tanto de música, regressei a casa com a culpa vincada de nunca ter perseguido um sonho daquela forma. É que nem todos são capazes de abdicar de algo para alcançar a realização das suas vontades. E, daquele concerto - onde depois o João Félix voltou ao palco, e em que o encore comum nos deixou ouvir o tema mais badalado do talentoso Cristóvam -, retirei também uma lição importante. Agregada ao que a música nos permite reviver - mesmo quando a estamos a descobrir -: sonhar é o limite, esse é um dado adquirido. Mas criar para esse sonho é um dom. E esse deve ser sempre acarinhado. O que nem sempre acontece. Felizmente, para aqueles dois jovens cantautores terceirenses, chega longe o reduto de apoio e fé nas suas notas e acordes. Parabéns.
(Praça de Toiros Ilha Terceira - Angra do Heroísmo - Açores)