Foi no primeiro sábado do ano que um grupo de terceirenses com sorte assistiu a um evento musical de grande qualidade. Não foi apenas um bom concerto, foi mesmo daquelas noites em que todos os que compunham a plateia se sentiram privilegiados por ali estar. No aconchego do pequeno palco do Alpendre, e a meio de uns dias de férias na terra natal, Victor Castro presenteou-nos com momentos de emoção. Contida e desbragada, tal e qual como aconchega e afasta as cordas da sua guitarra. O instrumento musical que escolheu para se destacar entre iguais, para ser diferente entre quem faz e recria música. A sua guitarra-companheira, que cada vez mais faz parte integrante de um artista com talento, a quem sabe bem rasgar elogios.
Há quase uma década radicado em paragens de Vera Cruz, Victor Castro é um nome incontornável da guitarra clássica, experimentando aqui e ali outros suportes, mas sempre com a magia das cordas e escalas a preencher uma carreira que foi firmando desde sempre. Desde as aulas de entrada com o mestre Carlos Baptista Ávila até à assunção como professor e estudioso. Mas mantendo aquela simplicidade genuína, aqui ou ali à caça de um piropo. Uma simplicidade que comprovamos quando se entrega ao som que ele mesmo provoca. E a simplicidade do rapaz do Corpo Santo, que vendia peças de automóveis, e que na escola parecia tímido e acanhado. Uma imagem complementada com a posição em que o Victor cresce, e se oferece para a performance pura, dando origem a momentos, como os do primeiro sábado do ano, em que fomos felizes por ali estar.
No encontro de cerca de uma hora que manteve com um público interessado, e onde habilmente se desfez, entre músicas, dessa timidez natural, desmerecendo a ocasião com graça, ofereceu-nos duas mãos cheias de peças complexas e de entrega. Interpretou obras de compositores como Paulo Bellinati ou Agustin Barros, mas também quatro peças da sua autoria, com o enfoque a cair naturalmente no sentido tema que dedicou à sua filha, Leonor. E fez mais, recriando na guitarra clássica três canções que todos trauteamos sem hesitar, do Luís Gil Bettencourt. Com arranjos criados no sentido expresso de querer perpetuar alguns dos melhores compositores da Região. No caso de "Dreams" e "Searching", o mais fácil de contar é que o Luís parecia "cantar" nas cordas da guitarra do Victor. No "Tema de Amor", até a pronúncia parecia estar presente, numa rosa oferecida, com dom, com arte plantada, e sem espinhos. Foram de coração aquelas interpretações, provando que o sentimento é sempre outro quando se "joga" em casa.
Sem fretes ao Victor, que deles não precisa, partilhar uma bela noite de música é aqui apenas uma oferta ténue. Quem não ouviu, fica a saber que foi bom. Quem lá esteve, entenderá o cumprimento. A "ternura aos molhos" esteve inteira na letra do António Melo Sousa. Que não foi cantada...mas que todos ouvimos na sede do Alpendre.