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Penso que nunca hesitei tanto na escolha das palavras para escrever uma crónica, uma notícia ou um comentário, como no caso de hoje. É a última vez que escrevo no jornal "a UNIÃO", onde, desde sempre, tiveram guarida as minhas palavras, numa ligação – com intervalos – de quase 20 anos, contínua na última década. Daí que o mote para as derradeiras ideias, nestas páginas centenárias que hoje se despedem, seja o prazer que foi criar factos, fazer opinião e divulgar a modalidade por que tenho mais afeto e que, afinal, até motivou o rumo da minha vida profissional. Pelos ralis falei pela primeira vez na antena de uma rádio. Pelos ralis conheci a grande parte dos meus amigos. Pelos ralis torci forte pelas vitórias dos meus ídolos e campeões. Pelos ralis perdi alguns relacionamentos, mas lucrei sempre na hora de partilhar. Pelos ralis conheci o continente e as ilhas. Pelos ralis vivi alegrias e desilusões. Pelos ralis até já ganhei prémios, distinções e, calcule-se, fui homenageado. Mas nada me deu mais prazer do que ter uma capa de jornal a chamar a reportagem, muitas vezes escrita a correr ou mal dormida, da prova mais recente, das lutas e frases soltas de um evento que movimentara emoções e muita gente. Esse prazer, tive-o durante os últimos anos neste mesmo jornal, envolvendo-me de forma sincera com toda uma equipa que me foi credenciando em eventos um pouco por todo o país. Daí que tenha sempre defendido a existência desta publicação, mau grado as ingerências ou atritos que a mesma tenha sofrido. Daí que tenha dado horas de trabalho sem recompensa, que não o gosto de o ver plasmado na sua paginação diária. Daí que, numa curta e tardia carreira desportiva, tenha sempre ostentado as cores do jornal nas viaturas que tripulei. Numa espécie de clubismo, e ciente de que assim possam ter aparecido mais alguns leitores.
Em dia de dizer adeus, embora vincando um breve regresso por outras paragens que assim o possibilitem, tenho de forçar o meu protesto pelo encerramento do jornal, assim como lavrar a solidariedade para com os colegas e amigos que ontem arrumaram as secretárias e, sei-o bem, os corações. Vai para eles a saudação maior. E um afeto do tamanho de um troço corrido sem falhas, onde se alcança um grande tempo e se recebem aplausos a todas as curvas…
Num parágrafo final, e sem indicar mentores que no meu caso nem existiram, não poderia deixar de referir alguns nomes que, umbilicalmente, reforçaram esta ligação de gosto aos desportos motorizados e à escrita emocionada que eles podem (ou não) causar. Fica uma saudação ao Rafael Barcelos, ao Mário Rodrigues, ao Gilberto Costa, ao Victor Cardoso e ao Paulo Mendonça, antecessores de tarefas que tentei aqui cumprir com orgulho, assim como ao Ricardo Laureano, ao Francisco Veloso, ao Gerardo Rosa, ao Olavo Esteves e ao Jorge Silva, amigos de hoje que comigo partilham a paixão de passar as curvas e derrapagens à eternidade das memórias. Afinal, ainda são elas que nos fazem tremer…
PS- E acabou o jornal diário angrense “a UNIÃO”. Até sempre.
Cartaz: Francisco Veloso
Chama-se “Super Especial Ourinvest – Por um Natal Melhor” e é a proposta da “Olavo Esteves Competições” para uma ação de solidariedade que inclui a disputa de uma prova desportiva, a 15 de dezembro, no Centro de Desportos Motorizados da Praia da Vitória.
A competição, com início marcado para as 14h30, constará de duas provas cronometradas, “onde queremos ter um bom lote de concorrentes, sendo que cada um deles pagará a inscrição com um valor aproximado de 15 euros em produtos alimentares”, explicou Olavo Esteves.
“Os alimentos que recebermos serão depois entregues à delegação da Cáritas da Praia da Vitória, que os vai encaminhar para famílias carenciadas que assim, esperamos, poderão passar um Natal melhor”, adiantou o empresário.
Segundo Olavo Esteves, está será “uma boa forma de juntar os desportos motorizados, no caso os ralis, a uma causa social”, frisando que, “também o público poderá contribuir com o que quiser, para juntarmos aos alimentos recolhidos”.
Recorde-se que, na semana anterior – dia 8 – se vai realizar a derradeira Super Especial do “Challenge OEC/TAC”, que dará a conhecer os vencedores do certame. Na mesma data terá lugar a 6ª Gala dos Desportos Motorizados da Ilha Terceira.
Foto: Direitos Reservados
Na semana que hoje termina, foi aprovado na Assembleia Regional o plano do governo para a legislatura que agora começou, um documento que mereceu apenas a concordância da bancada da posição, sendo que até se tratava de um rápido "copy+paste" do programa eleitoral do PS, vencedor com maioria absoluta a 14 de outubro.
Durante muitas semanas, fui-me esquivando ao comentário puramente político, coisa que amiúde faço noutras plataformas onde a partilha de opinião tem um retorno mais claro que as páginas deste (quase extinto) jornal diário. O certo é que, de entre algumas pessoas que me costumam dar o seu aval aos desabafos em forma de texto, esta fórmula será a que menos as atrai como leitoras e (ou) amigas cá das prosas...
Vai para seis anos que exerço funções diretamente ligadas com uma força partidária. E já se passaram mais de dezasseis desde que entrei na área do jornalismo ativo, pelo que o discurso político não me coloca segredos, assim como as diretrizes que norteiam a vida pública dos eleitos e candidatos se tornou coisa corriqueira em termos de apreciação.
Vai daí, há que juntar-lhe a opinião própria, uma coisa quase tão em desuso como o fax ou os televisores convencionais. Na sequência lógica que poderão pensar para o texto, este é o ponto em que começaria a desfiar as incongruências do programa eleitoral/de governo socialista, as suas lacunas, as áreas eternamente esquecidas ou mesmo os lapsos que agora surgiram em torno de questões importantes e que, assim parece, desapareceram para o executivo liderado pelo antigo titular da Economia. Pois olhem que não. Para isso há atores já habituais, uns de um lado outros na trincheira contrária, que por hábito ou crença se digladiam a cada semana nesse sentido. E porque me fez mais diferença registar que, passados dois meses da última sessão plenária - extraordinária, no início de setembro -, afinal está praticamente tudo na mesma. Por vontade expressa dos açorianos, por mérito emergente da extensa máquina do poder, por desconhecimento da real situação financeira que estas ilhas vivem, por demagogia, por adoração ou somente por despeito em relação às outras opções, a via açoriana descambou numa paz de maioria absoluta. Uma maioria com tiques totalitários, com o eleitoralismo à flor da pele, com o populismo - balofo ou não - intrínseco de quem cativa audiências e, principalmente, com o saber acumulado de mais de década e meia a movimentar cordelinhos, personagens, ações e futuros. Por mais que recordem os tempos dos governos laranja de Mota Amaral para, ainda hoje, justificarem algumas opções ou falhas, nem por sombras pensem os magos da onda rosa que se podem comparar 20 anos de então a estes 16 que agora se completam. É que o mediatismo e as redes sociais valem mais do que qualquer sermão e missa cantada...
PS- Falta escrever apenas uma crónica até ao baixar do pano sobre o jornal diário "a UNIÃO". Não tarda a despedida…
Silêncio que se vai matar os jornais!
-Oriana Barcelos (Diário Insular)
A proposta de Programa de Governo não inclui, como este jornal já teve oportunidade de referir, uma única medida que diga respeito à comunicação social dos Açores. O já comprovado definhamento dos jornais da Região parece não preocupar este Executivo. O deputado social-democrata José Andrade notou-o ontem. Foi o único parlamentar a pronunciar-se sobre o assunto. Garantiu, na sua intervenção, que o PSD teria feito diferente, até porque a comunicação social “reúne as ilhas, projeta a Região e consolida a diáspora”. Recordou ainda o deputado que, ao contrário do que foi prometido em junho passado, a proposta do Executivo regional que deverá guiar as políticas dos próximos quatro anos não inclui a criação de uma empresa totalmente pública e regional de televisão e rádio. Ficou a promessa de auscultar os órgãos de comunicação da Região, o que, adiantou, poderá culminar na proposta de um novo sistema de apoio. Bradford fez o mesmo na legislatura passada e a falta de resultados está à vista. A resposta das restantes bancadas à intervenção do parlamentar foi de um silêncio ensurdecedor. Ideias zero, palavras zero. Ora, se o objetivo é deixar a comunicação social privada dos Açores à sua mercê, sem que sequer se discuta o assunto e se proponha soluções – o que há de implicar, impreterivelmente, o desaparecimento dos jornais do arquipélago –; se o que se pretende é matar a RTP/Açores; se o que se quer é deixar de ter quem procure outras versões da mesma verdade; então que se assumam esses desígnios com coragem e clareza. Ainda há esperança que assim não seja. "
-Um comentário inteligente, corajoso e frontal de uma jovem jornalista da nossa praça. Referindo-se ao ensurdecedor silêncio desta governação Promedia/Açores9/e afins a respeito da Comunicação Social nas ilhas de bruma... Parabéns, Oriana.
in Jornal a UNIÃO (apenas até ao fim deste mês...)
Começou há minutos a primeira sessão plenária da nova Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores. O primeiro embate das forças em presença alberga a análise (?) em torno do Programa do Governo, em suma o documento eleitoral que o PS apresentou aos eleitores, sufragado com nova maioria absoluta, no passado dia 14 de outubro.
Curiosamente, e no mesmo dia em que arranca a nóvel legislatura, ouviu-se o "grito" dos fornecedores de medicamentos do Hospital de Angra, que decidiram "fechar" a torneira face à dívida imensa com que o Serviço Regional de Saúde os vai brindando de há uns anos a esta parte. Correm rumores de que em Ponta Delgada a situação, financeiramente mais grave ainda, se poderá repetir. Ou seja, no dia em que começa oficialmente - com a leitura neste momento da defesa do inclusivo e participante programa de governação, pelo novo líder do executivo... - a vitoriosa via açoriana de Vasco Cordeiro, surgem uns imensos pés de barro a esta gestão do arquipélago. Baseada em enganos e contas escondidas, suportada por um respirar ofegante onde a falta de dinheiro é uma realidade...tão verdadeira como bem escondida pelos magos financeiros da posição.
Para fora, vai saíndo o remoque constante ao centralismo de Lisboa, mas também correndo a cortina à cumplicidade dos Açores com o desgoverno socialista que deixou o país em pantanas. Para dentro, lá vão correndo os ordenados faustosos e as nomeações de ocasião e seguidismo. Enquanto os factos de ingerência se irão suceder, atempadamente travados pela necessidade autárquica de uma eleição a onze meses de distância.
Realçadas, a coragem e a competência de quem o povo, soberanamente, foi elegendo para nos guiar, possivelmente não vão passar de imagens e metáforas que convém usar. Apenas isso. E não faltará tempo para o mote passar dos encómios e elogios para um popularucho e infeliz "haver havia, agora é que já não há...".
Texto: Helena Fagundes/Diário Insular
Nasceu na Praia, afirmou-se como médico no Porto, foi o primeiro ministro da Instrução. António Joaquim Sousa Júnior foi também o homem que travou a peste na Terceira e que se ofereceu para chefiar um hospital militar durante a I Guerra Mundial. Deixou tudo pelo Porto Martins, onde passou mais de uma década ao balcão de uma venda, ao som de uma grafonola... Era o senhor Doutor.
O senhor Doutor debruça-se sobre o balcão da venda, ali quase onde se vira para a Poça, no Porto Martins. À sua volta estão vinho para vender à caneca, botões, pão, queijo de peso. Ao seu lado, uma elegante grafonola canta árias de ópera. E o pensamento recua, para o tempo em que era criança... António Joaquim Sousa Júnior nasceu na Praia da Vitória, em 1871, numa casa à entrada da Rua de Jesus. Os pais não eram ricos, mas foi prosseguindo estudos, primeiro no Seminário de Angra do Heroísmo e, depois, com o apoio de umas tias da cidade, no Porto, onde se fez médico. Lá fez a sua carreira científica. Foi director da Faculdade de Medicina do Porto e um dos médicos mais respeitados do seu tempo. No país, assumiu papeis políticos de relevo. O fim da vida levou-o a um Porto Martins simples, uma terra de pescadores. No seu escritório da Casa da Rua da Sé, forrado com estantes de livros, o historiador Jorge Forjaz recorda a história de António Joaquim Sousa Júnior, o Doutor Sousa Júnior, avô da sua esposa. Um homem brilhante, um humanista, mas cuja vida seria sempre um duelo entre a luz e as sombras. Em termos políticos, Sousa Júnior esteve inicialmente ligado ao Partido Progressista, mas transitou rapidamente para o Partido Republicano. Quando chegou a República, em 1910, foi convidado para reitor da Universidade de Coimbra, mas acabou por não tomar posse, apesar de ter sido nomeado. Foi director geral da Estatística, montando no país um sistema que foi considerado dos mais modernos da Europa do seu tempo e foi o primeiro ministro da Instrução, distinguindo-se, no governo de Afonso Costa, pela criação de escolas móveis. O objectivo era levar a alfabetização aos vários lugares do país. A Primeira República foi conturbada e os ministros erguiam-se e caiam facilmente. Foi duas vezes ministro da Instrução, em dois governos. Outro lugar ocupado foi como deputado da Assembleia Constituinte.
A peste
A maior marca de Sousa Júnior na Terceira foi como médico, no tempo da peste bubónica. Epidemiologista, já se tinha notabilizado no combate à peste no Porto. Já professor na Faculdade de Medicina do Porto, em 1908, a ilha chamou-o. A terrível doença tinha-se instalado e espalhava-se a uma velocidade impressionante. Poucos se salvavam. "Hoje em dia, os médicos defendem-se, mas naquele tempo ele metia-se no meio dos pestosos, com uma capacidade de protecção pequeníssima, e tinha de combater a peste, com os meios escassos que havia na época", conta Jorge Forjaz. "Quando a peste rebentou aqui na Terceira, em 1908, ofereceu-se para vir, sem nenhum encargo para ninguém. A faculdade desligou-o do serviço e ele ficou meses seguidos na ilha". Permaneceu na ilha perto de um ano, em que tomou várias medidas, compreendidas pelas autoridades locais, mas contestadas por alguns sectores da sociedade. Uma das mais polémicas foi fechar os portos à navegação. Assim, a peste não saía da Terceira e as outras ilhas permaneciam a salvo. Na altura, multiplicaram-se os protestos do comércio local, que se via sem poder exportar ou importar. Os jornais da época também tomaram partidos. Uns, defendiam o Doutor, outros, chamavam-no "Sousa das Ratas", inspirados noutra das medidas, a criação de uma Liga contra os Ratos, os grandes veículos de propagação da doença. Para a criação da Liga contra os Ratos juntaram-se as mais influentes e ricas pessoas da sociedade angrense. Entraram com capital, fizeram peditórios e avançaram com talvez um dos mais inteligentes passos para acabar com a peste: Ofereceram uma determinada quantia por cada rato apanhado. E, por toda a ilha, nasceram caçadores de ratos. Um homem, em 13 meses, caçou 2815 ratos e 15 mil murganhos. Ganhou 400 mil reis, muito dinheiro para a época. Os ratos tinham de ser trazidos para o edifício onde hoje está instalada a sede do Partido Socialista, onde ficava o laboratório. Eram queimados com petróleo, soltando um cheiro que durante anos ficaria na memória das casas vizinhas. Durante os meses em que permaneceu na Terceira, Sousa Júnior escreveu catorze "Cartas dos Açores", que foram publicadas na Gazeta Médica do Porto, a contar os avanços e recuos da luta contra a peste. Em 1909 deixou finalmente a ilha, em glória. Na viagem de regresso ao Continente, passou por São Miguel, onde o médico Bruno Tavares Carreiro deu um jantar em sua homenagem.
A guerra
Depois da peste, veio a guerra. A Primeira Guerra Mundial. Sousa Júnior ofereceu-se para ir para os hospitais militares, em França. Graduado major, assumiu o cargo de director de um hospital militar dos ingleses. Foi em França que conheceu a maior tragédia da sua vida. Não a encontrou entre os soldados feridos que enchiam o hospital. Desenrolou-se, à distância, no Porto. "Uma filha chamada Maria Júlia tinha morrido ainda criança. Dera o mesmo nome a uma segunda filha, que adoeceu quando o Doutor Sousa Júnior estava em França. Este pede licença para vir a Portugal e não autorizaram. O comandante das tropas portuguesas na altura era Gomes da Costa, que é um dos homens que depois faz a revolução do 28 de maio. A filha morreu com ele ausente. Não era uma criancinha, tinha já 16 anos", explica Jorge Forjaz. "Ele era uma pessoa com alguma tendência para a depressão e essa morte da filha afetou-o extraordinariamente. A partir de então, nunca mais foi a mesma pessoa. Ainda nasce uma outra filha, a que ele chamou Maria Júlia, que morreu há poucos anos", recorda. Já minado pela depressão, Sousa Júnior regressa à Universidade do Porto, cidade onde foi ainda presidente do Senado Municipal. Nunca se deixou deslumbrar pela riqueza. Nesse cargo, tinha acesso a um Rolls Royce. Quando percorria as artérias portuenses, a viatura fazia sucesso entre a rapaziada, que corria a acompanhá-la. Muitas vezes, deixava os miúdos darem uma volta no carro de luxo. Quando chegava à Câmara, abria a porta e saia toda aquela gente. "Dava consultas de graça, oferecia dinheiro para os remédios. No entanto, era o homem mais respeitado da sociedade médica do porto", afirma Jorge Forjaz. O humor pesado e as dificuldades de convívio iam-se, porém, agravando. Instalou-se na sua vida uma enorme depressão, que lhe amarrava o corpo. A mão tremia-lhe imenso e as suas últimas cartas eram já difíceis de ler. Foi nessa escuridão que decidiu regressar à ilha, em 1925.
O senhor Doutor do Porto Martins
A ideia inicial era apenas descansar por algum tempo. No entanto, Sousa Júnior ficou no Porto Martins, numa casa emprestada por um primo, durante 13 anos. Quando chegou à Terceira encontrou a moradia fechada, entregue à humidade. Recuperou-a e comprou a casa ao lado, onde montou uma venda, à moda das freguesias. A única coisa que fez questão de trazer do Porto foi uma grafonola e uma colecção de discos de música clássica. Na venda, frequentada por gente do Porto Martins e da Ribeira Seca, vendia um pouco de tudo. Muitas pessoas ouviram lá pela primeira vez o som de uma grafonola. Pelos caminhos da freguesia não passava um automóvel. Era um lugar pobre, sem electricidade ou água canalizada. Mas as noites de verão eram passadas ao luar. Durante o dia, o senhor Doutor vestia roupas simples e galochas de madeira, sentava-se com os vizinhos e fumava tabaco de enrolar. Em 1929, por altura da comemoração do centenário da Batalha da Praia, realizou-se uma grande cerimónia e uma sessão solene na Câmara Municipal. Convidado para a ocasião, Sousa Júnior foi de carroça até à Praia e, ao chegar ao largo, saiu, abriu uma malinha e retirou as suas vestes de professor catedrático. Foi assim que surgiu na cerimónia, com toda a dignidade. Também se espalhou pela Terceira notícia de que o Doutor Sousa Júnior tinha chegado... A todos recebia e não cobrava. Vivia da reforma. Influenciou o espírito da freguesia. A Dona Florinda Pamplona, que morava ali perto, aprendeu a dar injecções e fazer curativos. Fez esse trabalho, durante décadas. Se alguém falava em senhor Doutor, esse senhor Doutor era Sousa Júnior. Apesar de ter lutado sempre com estados de espírito mais negros, Sousa Júnior era dono de um apurado sentido de humor e de uma grande capacidade de improviso. A quem o importunava ou abusava da sua boa vontade enquanto médico, dedicava quadras, algumas bastante picantes... O fim da sua vida veio de forma simples, quase progressiva. Sentia-se velho... Um dia, teve a percepção de que ia morrer... Disse que queria voltar ao Porto para se despedir da sua gente. Voltou e morreu no Porto. Tinha 67 anos. Deixou memória enquanto médico, professor catedrático, especialista no combate à peste, político... Que deixou tudo por um Porto Martins com caminhos de terra, sem automóveis ou electricidade, mas com o som do mar ali perto e uma venda de portas abertas para a simplicidade... Sobre ele, personalidades como Vitorino Nemésio sentiriam o impulso de falar "sem protocolo nem pauta, com pura abundância de alma ".