Nos últimos tempos não me tem faltado vontade de escrever sobre a temática do momento em Angra do Heroísmo e na Terceira: o não-projecto do cais de Cruzeiros para a baía da cidade património. Com efeito, o assunto poderia motivar um longo texto, já que é impossível abreviar todas as andanças e desventuras da parcela urbana de Angra que está virada ao mar, sendo que tal recolha seria fastidiosa e repetitiva, afinal várias vozes se têm levantado sobre o assunto, inclusivamente com propostas concretas da que poderia ser a melhor solução para o propalado investimento. Decidi-me por uma escrita simples e directa, que apenas decorre da opinião de um angrense, que gosta da sua cidade, mas que é daqueles que (até) admite que haja quem goste mais dela, coisa que já foi palavra de ordem em discursos políticos. Fui espectador atento do debate da passada segunda-feira, onde a oportunidade dada pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira permitiu a uma parte da dita sociedade civil – e eram cerca de 65 os presentes – escutar as tentativas do secretário regional da Economia em explicar o que não está em lado nenhum, ou seja a ideia concreta de como será, como foi pensado, como foi decidido e como se vai orientar o ansiado terminal. Pois estas eram as questões perenes de um concelho e de uma ilha que, segundo o governante, já por duas vezes sufragou positivamente o investimento em actos eleitorais. E tem razão, afinal também foram sufragados positivamente – e muito mais vezes – o novo hospital, os parques temáticos e de lazer, a via rápida e estruturas do género, o que não impediu que – mesmo à custa de muitos anos -, ou fossem projectados e apresentados, ou pura e simplesmente caíssem no esquecimento. O cais de cruzeiros, pelos vistos não caiu, esqueceram-se foi de nos dizer como vai ser, o que nem é relevante, dado que está adquirido como sendo para avançar. E ainda bem. No debate a que me referi, e em cujo conteúdo não me consegui esclarecer sobre o assunto, foi visível que há a vontade política de dotar a Terceira de uma nova valorização em termos turísticos, o que é agradável de ouvir, até tendo em conta que noutras ilhas essa realidade também é pretendida. Ora, e correndo o risco de me acusarem de citações do tempo da “outra senhora”, registei uma frase do historiador José Hermano Saraiva, numa conferência promovida pela câmara municipal de Ponta Delgada, onde o mesmo adiantou que “não se pode pensar que o turismo vai resolver todos os problemas da região, até porque, se não for correctamente implantado, apenas invade, polui, corrompe e não enriquece”. Não podia concordar mais com o vetusto apresentador e, no caso terceirense, tenho dificuldade em compreender as orientações que, em concelhos vizinhos, retiram um parque de combustíveis de uma zona afogada para uma zona industrial junto a um porto de cargas mas onde se faz uma gare de passageiros; retiram a vertente comercial a um porto afogado para lhe embutir em brutal mau gosto uma zona de lazer, embora mantendo as ligações de alguns barcos inter-ilhas; fazem atracar navios de cruzeiro num porto dito comercial e de cargas sem sequer saber se há transporte para os turistas chegados se deslocarem ao centro urbano mais próximo; e, finalmente, resolvem em ano e meio que o ex-porto comercial e actual zona de duvidoso lazer afinal é para rebentar e transformar num terminal para navios de grande porte que trarão à sua cidade milhares de turistas de umas rotas que, noutras paragens bem próximas, vão caindo em número e em resultados. Estas são as minhas incompreensões, com licença do termo, pois no referido debate apenas me apeteceu intervir para aconselhar ao senhor secretário, que tenho em conta de pessoa perspicaz e de rápido raciocínio, para que se abeirasse da ponta do Porto das Pipas, bem ali em linha recta para a Porta da Prata, acompanhado de um indígena local que conhecesse a sua terra, e pedisse a enumeração de tudo o que já foi prometido, meio-feito ou caído no esquecimento desde a ponta do Monte Brasil até – e já dando meia volta em bicos dos pés… - ao castelo de São Sebastião que, salvo erro, ainda tem um bocado da muralha ruída porque neste país ninguém se entende quando se trata de resolver problemas. Escusando-me a enunciar as respostas que teria, perguntaria – o que não fiz, repito – ao senhor secretário se não seria mais útil, ainda antes de avançar com uma obra desconhecida e cujos estudos preliminares são cuidadosamente mantidos no mais completo sigilo, unir esforços para reabilitar – embora com mais de uma década de atraso… - a baía desta terra de histórias e desembarques, e então pensar em outros voos, que pela lógica do crescimento das cidades, teria de passar por uma nova orientação da malha urbana de Angra para o outro lado, ou pensarão os nossos governantes que atulhando a baía de construções se estará a beneficiar esta terra de algum modo? Pois é, em política a omissão é de facto um saber…
Mesmo com a vontade de ser breve vejo que ultrapassei já a barreira do legível com atenção ao pequeno-almoço ou a seguir a uma outra refeição, mas deixo apenas mais dois dados, que penso são importantes para o debate do que poderá ser realmente o planeamento de uma cidade tão única como é Angra do Heroísmo. Durante a década de 50 do século passado, o meu avô Fernando de Sousa foi o arquitecto responsável pelo traçado da hoje zona das Avenidas, num crescimento ponderado e planeado da cidade desde o Corpo Santo à Carreirinha, ou seja na última vez que a malha urbana de Angra cresceu de forma pensada, ambiciosa e com orientação. Depois disso foi-se juntando ao que havia, em ramificações, edificações e loteamentos que se foram parindo por aqui e por ali. Uma outra nota para quem pense que aqui faço a defesa da oposição por si só. Sempre houve obras públicas mal pensadas e mal dimensionadas e, sem me dar ao trabalho de um levantamento exaustivo, lembro o Estádio João Paulo II, desta nossa nobre cidade, verdadeira marca de regime político, cuja principal finalidade, a de recinto desportivo onde atletas e público pudessem ter uma salutar convivência foi descurada. É esperar um dia com algum vento e passar…não na bancada, mas lá em baixo no terreno de jogo e de corridas...