Ontem à noite prosseguiu a série de encontros “Ideias & Debates”, tendo sido o mar, na sua vertente lúdica e de conhecimento, o mote dado pela organização para mais uma sessão aberta ao público e cujo objectivo é simplesmente pôr a sociedade açoriana, e particularmente a terceirense, a discutir as temáticas actuais que mais a afectam.
“Porque andamos de costas voltadas para o mar?”, foi a questão fulcral da introdução feita por Paulo Ribeiro, à qual reagiram de forma própria cada um dos três oradores convidados. João Monjardino, arquitecto de profissão e praticante de surf, começou por contextualizar a orla costeira da ilha Terceira, referindo os 90 quilómetros de perímetro, dos quais “apenas” 3,5 (3,88%) estão disponíveis para uso social, e alertando para o facto de “nas últimas duas décadas” se terem perdido 1800 metros de frente costeira.
De seguida lamentou alguma “falta de imaginação” nas actividades marítimas que se praticam entre nós na dita época baixa, fazendo um “repto” para inovar, aproveitando o potencial “imenso” que o mar proporciona. Relembrando que a responsabilidade do “bom uso” da costa marítima cabe a todos, João Monjardino não deixou de focar o lamentável estado da orla na zona do cabo da Praia onde “à custa da inovação e do desenvolvimento, que são ferramentas essenciais” o mar está poluído e a situação tarda em resolver-se.
Citando uma conhecida publicação mundial de surf, mostrou como se pode passar uma imagem “triste e terceiro-mundista” de um local aprazível como a nossa região e as nossas águas. E não deixou de apontar a má “infra-estruturação” da zona industrial praiense como a causadora dos problemas. Mas sempre com uma visão “futurista e optimista, ciente de que a realidade pode e deve mudar para melhor”, concluiu.
Jorge Vieira, responsável pelo Angra Iate Clube, foi o segundo a falar, e começou versando a “cultura náutica” das nossas gentes como estando em “baixa”, dando como certo que apenas a “aposta” nos escalões de formação pode sustentar uma “mudança de atitude” das pessoas face ao mar, isto numa clara alusão às dificuldades da prática desportiva para as actividades marítimas.
Alertando que “as autoridades responsáveis” devem contribuir para essa mudança de atitude, lamentou a “falta de exigência” dos terceirenses nas condições que lhes são oferecidas para aproveitar as valências do mar, exemplificando a afirmação com as “obras de remodelação do Porto das Pipas, que não trouxeram sequer as condições mínimas para a prática das actividades náuticas”, referiu.
Falou também da realidade actual de quem investiu no âmbito da acção marítimo-turística, realçando o incremento de “qualidade” que tem sido levado a cabo nos últimos anos, altura em que não se entendem as dificuldades sentidas para “a formação de navegadores de recreio”, e deixando ainda um repto no sentido de dar “mais vida” às marinas da ilha, cujos picos de utilização se prendem com as provas de vela de cruzeiro que se vão organizando entre nós.
João Rodeia, da Universidade dos Açores, foi o responsável por uma abordagem científica da nossa visão do mar, isto na vertente do conhecimento que se propunha aos presentes. Lamentou, desde logo, “erros crassos” que se vão cometendo nas obras feitas pela orla costeira, deixando no ar que o conhecimento “existe, mas por demasiadas vezes, não se aplica”, isto também numa menção clara ao areal da Praia da Vitória e ao “uso e abuso” comercial dado à areia, um elemento “fulcral para se manterem as características do lugar, o que parece descurado gravemente”. João Rodeia alertou para o contra-senso das exigências feitas a quem “tem ligações ao mar”, que vão impedindo o acesso do cidadão comum ao mar, assim como dos mais novos.
Referindo que a “motivação” tem de ser criada e o papel da “investigação como caminho mais curto para atingir fins”, João Rodeia disse “não compreender” uma certa aculturação marítima que é emergente, sendo que “os miúdos são o nosso futuro e é urgente dar-lhes um contacto vivo com o mar”, referiu como um repto às próprias instituições e estabelecimentos de ensino que “pecam” pela ausência nessa vertente.
O espaço dedicado ao debate foi animado e permitiu diversas intervenções, a maioria em aberta interacção com o painel de convidados, e onde se denotou uma certa “frustração” generalizada pela forma como são geridas as nossas ligações com o mar. Em termos de infra-estruturas básicas foi feito um “alerta” para obras futuras; em termos de promoção turística foi visível que haverá muito mais a fazer e que é até patente uma certa “asfixia” em relação aos investidores e face às necessidades que se apresentam nos Açores. Na parte da formação humana e educacional foi deixada uma palavra para os desportistas náuticos que, numa região atlântica e incompreensivelmente, têm “poucos apoios e escassas oportunidades de singrar no exterior”.
“Uma legislação complexa e um sem-número de entraves” foram as causas apontadas para a actual escassez de actividades marítimas “diárias e corriqueiras”, a que a nossa realidade geográfica e histórica nos devia “obrigar” Foi também reforçado o factor “misticismo” que o mar encerra como preponderante na dinamização que pode ser dada em diversas frentes, deixando-se claro que as próprias denominações das duas cidades terceirenses (Angra do Heroísmo e Praia da Vitória) são, intrinsecamente, causas do sua forte ligação ao mar, qualidade que, no entender de muitos dos presentes, “tem caído no esquecimento dos decisores políticos”, mas sempre com um sentido de que “no horizonte” haverá “mais e mais a fazer”.
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