-Que horas são, Senhor João? - Perguntou uma das empregadas
-São sete menos vinte e cinco – Respondeu um dos responsáveis pela sala de baixo da Confeitaria “Cunha”.
No Porto as coisas são assim e a forma de dizer as horas faz-me identificar de imediato as gentes e integrar de novo a cidade. Um pouco ao contrário dos outros sítios, mas com um calor que sinto me faz parte do sangue. Mesmo se por aqui também já sofri as incontornáveis chatices do quotidiano. Mas a verdade é que aprendi a viver a cidade e, neste sétimo Natal consecutivo que por cá passo, assumo que a quadra é para mim urbana e consumista, mesmo se detesto fazer compras (de Natal, sublinhe-se)…
Mais abaixo o ritmo infernal dos passos nos Centros Comerciais faz-me desviar o olhar e as atenções. Mas depressa me concentro nas caras, nos olhares, na pronúncia saborosa e no cheiro a doces que alguns lugares de referência têm sempre. Conheço a Baixa como a palma das mãos, decorei as portas e até reconheço alguns empregados que nem sabem quem sou. Sei algumas histórias de algumas dessas portas, fruto da minha sequiosa curiosidade e atenção em tardes ou noites do passado. Vejo e releio as placas, nem gosto muito da iluminação natalícia e acho sufocantes as semi-esferas transparentes onde brincam as crianças. É esse o outro lado que me faz o Natal urbano. Não ter crianças é, e desculpem-me a sinceridade, uma liberdade que deixa poder ver estas e outras (tantas) coisas…
O cego que toca acordeão em Sampaio Bruno tecla o “Cheira bem, cheira a Lisboa”. Retenho o passo e aguardo o mais que certo comentário de um passante: “pois, pois, é o que mais cheira em Lisboa é bem”, diz um tripeiro que, como eu, não compreende o repertório do pobre homem. Ou então são os restos da primeira derrota da Liga para os azuis-e-brancos que, confesso, também me chateou na sexta à noite ao chegar à capital. Mas a vida corre e os natais sucedem-se. Ásperos e directos na diferença abissal que a sociedade faz entre todos. Não são festas, mas tem isto tudo o seu quê de atrapalhante e delicioso…