Depois de nove dias na Graciosa, ao longo dos quais fui sempre adiando o alinhavar de algumas palavras em jeito de crónica, o mínimo que se pode dizer é que as baterias vêm recarregadas e a alma um tanto lavada pela calma e pacatez da ilha Branca. Isso mesmo depois do reboliço e das noitadas das Festas de Santo Cristo, onde a falange terceirense voltou a fazer as despesas da casa, inundando Santa Cruz e arredores, para alguns dias onde a música, os toiros, e o mar acolhedor, se juntaram em uníssono.
Assim, é já embalada pelas ondas sob o “Ilha Azul” (que é, como se sabe, vermelho…), a tentativa de resumir os sentidos de um regresso leve nas tarefas a uma terra que prezo e que aprendi a perceber desde muito novo. Para trás ficou há pouco o sempre verde ilhéu da Praia, que os garajaus parecem querer tomar, reagindo agora fortemente às poucas visitas humanas. Pela frente o mar, esse companheiro de jornadas que nos serve de descanso e de desculpa para estarmos longe e perto.
Logicamente aqui não cabe um recontar de alguns dias de férias, onde a piada de ir revendo gentes e sítios mais me interessam que a outro alguém. Tão só porque a sensação de espaço numa terra como esta Graciosa (que, lá atrás, se vai desvanecendo na paisagem…) é por demais peculiar. Se alguém a conheceu bem antes de a baptizar não podia ter acertado mais em cheio. A forma envolvente como as suas serras a fazem parecer maior, o carisma inegável do casario que se mantêm, o tempo que demora a passar e a cair na noite, as vistas repassadas que nunca cansam e a nossa eterna e intensa maresia, são alguns dos traços comuns que relembro e agora encontro na ilha branca da caldeira. A mesma onde o vento passa de forma diferente, desafiando os moinhos agora com as velas levadas para outros sustentos.
E enquanto as ondas fazem curta a distância para a costa de São Jorge assino por baixo de quem diz termos mais de uma terra. De acolhimento, de paixão, de gosto ou sensação. Há lugares que nos inebriam, mesmo se neles nada nos aconteceu de especial, à parte a realidade inevitável de crescer.
Possivelmente serão as diferenças temporais das várias visitas, e os diferentes estágios de vida que nelas se encerram, que me farão tentar sempre interpretar uma ligação (ténue ou fortificada) aos diversos espaços e lugares. É uma forma de neles nunca deixar marcas, mas antes trazer sempre uma novidade apensa às fotografias e aos sabores. Foi assim desta vez e assim será das próximas.
A viagem parece perto de a um terço e dois homens de meia-idade – aqui na mesa ao lado…-, duas caras que conheço não sei de onde, relembram três das quase setenta touradas à corda do Agosto terceirense. Engraçado, pela primeira vez, em muito tempo, não senti a mínima falta da minha terra (uma das várias…lá disse alguém), sinal claro de que a reintegração está completa e a pedir os necessários escapes à rotina que tento evitar a cada saída. Com o avançar da conversa distrai-me da crónica e da viagem. Já a bruma ocupa o seu espaço, envolvendo o barco mas deixando vislumbrar que a Terceira está aqui ao lado, ali a um toque deste mar povoado de lendas e histórias. Tal como o são as nove ilhas. As tais em que vamos arranjando cumplicidades e lugares comuns para minimizar esta insularidade prática, que as nossas mentes sempre abandonam na teoria.
Quanto à Graciosa, revi encantos e alguns sorrisos (uns mais velhos, outros assustadoramente crescidos…), recordei algumas perdas e velhas imagens, encontrei uma ilha onde o tempo não passou em grande velocidade nas duas acepções que essa realidade encerra: de tranquilidade para os visitantes, de alguma angústia para os que lá ficam os doze meses de anos que não vão sendo fáceis. É a leitura política de uma breve visita: as placas estão limpas, as bermas cuidadas, a paisagem preservada. Mas os maus pisos ainda o são, há coisas caídas de há nove anos para cá, menos independência face ao exterior, os bens que se esgotam a cada atraso ou maior procura, mas tudo num aparente enlevo que as terras bonitas sabem ostentar mesmo quando aflitas. E o cartaz à entrada da Vila da Praia: “Nós também somos Açores”…