Nas rotas do São João... (crónica)
Estão quase acesas as luzes e quase quentes os corações. Como sempre, nesta altura acelerada do ano, a nossa cidade de Angra vai fluindo rumo à festa. Como sempre está engalanada e enfeitada. Como sempre anseia pela alegria e, amiúde, o sol tenta furar as nuvens para dar outra cor aos eventos que se aguardam. Os marchantes acabam de decorar as letras e acertam as últimas bainhas e folhos, os figurantes dos cortejos tentam reprimir os nervos de enfrentar a multidão, ensaiam-se os últimos passos da actuação e dão-se os primeiros no regaço deste São João de graças, que gosta de se divertir a preceito. Não é só em Angra que ele assim se porta, mas é por cá que aprendemos a viver a sua festa, e a agradecer ao rendilhado ancestral das nossas ruas o facto de serem um palco por excelência.
São várias as vertentes em que toca a festa e parece impossível passar-se alheio a ela. A verdade é que, por estes dias, as energias parecem juntar-se num fim comum. O dia tem um epílogo destinado, a escolha do que se quer ver e sentir vai maturando pelas horas até ao entardecer. Aí, e como sempre, as luzes que estão quase a acender-se desenham nos espíritos a alma desta gente. A alma que é nossa e que queremos repartir, numa contribuição desinteressada ao bem-estar. É assim que a acredito. É assim que espero continue…
E muito haveria para escrever, dizer e rir quando de festas se trata ou sobre elas se alinham ideias. As escolhas dos temas, as cores das iluminações, os carros dos cortejos, a coreografia das marchas ou os vestidos das nossas jovens belezas. Os petiscos aguardados, as noites mal dormidas e bem regadas, as histórias dos anos passados e a acepção de que, a cada dez dias de festejos, já temos mais um ano em “cima”… Tudo isto, e em abundância, revela o espírito desta semana e “tal” em que num balão de São João sobem as preocupações para bem longe das ruas. Pelo menos até ao final dos festejos, altura em que se começam a pensar nas próximas…do ano que vem e da semana que entra a seguir. É um tal não mais parar!
Os desejos que se expressam para esta altura do ano têm um tanto a ver com os primeiros banhos de mar e com o estalar do sol num tempo ainda morno. Primeiro estranha-se, depois entranha-se. Assim se vence o medo ao frio da água, assim se vai ganhando a tez amendoada que vai até às vindimas, assim se passa de um abraço de saudade a uma confraternização noite dentro, tarde fora, ou durante alguns dias. É com esse espírito que encaro as nossas festas. Foi dentro dessa visão que escrevi algumas linhas há uns meses. E que até chegaram ao programa descritivo das “Sanjoaninas’2007”. Ficam aqui a seguir. E boas festas, Angra.
"Fará sentido, meia dúzia de anos após o virar do século, falar ainda de globalização como uma novidade ou um progresso? Não em Angra do Heroísmo, Ilha Terceira, um ponto cruzado de influências e sentidos no meio do Atlântico. Uma cidade, quinhentista na traça e na origem, e rumada aos ventos por diversas aragens de raças e credos. Angra, cidade portuária do mundo, entreposto de rotas e costumes, porta de entrada das cores da evolução, cujo testemunho físico se pode ainda ver nas fachadas e recortes da sua arquitectura.
Cidade sobre a qual as páginas da História eternizam a importância de, num dia e num tempo, ter sido ponto de viragem e passagem para uma fronteira sem fim. Assim, e fazendo uso e abuso do espírito festivo das suas gentes de séculos, se refez o mote para mais dias de celebração. E os de 2007 terão uma Angra das rotas do Mundo. Cidade sem fim e sem fronteiras."