Texto: Miguel de Sousa Azevedo Foto: RL Photo.
Sendo a Terceira uma terra de aficionados da Festa Brava por natureza, e sendo também um sítio onde todos os movimentos populares (e os ralis são dos mais intensos…) são vividos de modo fervoroso, é natural que, amiúde, se tracem paralelos entre as duas actividades. Ambas requerem paixão, gosto, e, de algum modo, coragem, qualquer que seja a forma de as desenvolver. Recuando uns anos, e desde os primórdios dos ralis “pirata”, das Rampas e dos Circuitos do Cabrito (local, por excelência, de estadia das mais bravas manadas da ilha…), é fácil associar nomes à magia do redondel e às emoções das classificativas ao cronómetro. Ao nível do toureio apeado não é possível falar de ralis na Terceira sem referir os nomes de José Eduardo Silva ou de “Bertinho” Pacheco…pois ambos foram valorosos toureiros amadores de capote e arte. E o primeiro, que é pai do agora Matador de toiros Mário Miguel, manteve até há alguns anos atrás a sua própria ganadaria. Dos primeiros anos do Grupo de Forcados Amadores da Tertúlia Tauromáquica Terceirense, dois nomes sobressaem dos restantes na ligação aos automóveis: Joaquim do Carmo e João Hermínio, que viriam a ser (em 1991) a primeira dupla oriunda da ilha Lilás a vencer o então “Regional” de Ralis. Mas dessa época de pegas difíceis na velhinha Praça de São João há mais dois pilotos de ralis (mesmo que apenas de “passagem”). José Manuel Santos, o “Zé Manel da Fiat”, terceiro da geral no 1ª Ilha Lilás, e João Miranda que veio a ser também cavaleiro de alternativa. E mais nomes há que, além de envergar a jaqueta da Tertúlia, se guindaram às classificativas: António Baldaya (o anterior Cabo do Grupo) fez dupla com Paulo Raulino (“Toné”), outro forcado; António Ponte chegou a ser navegador de José Luís Coelho; Berto Lima andou de Dyane com Manuel Moura; em dupla de forcados Luís Armando estreou-se com Rui Cota no final dos anos 80; João Paulo Rocha navegou Carlos Costa “filho” no Ascona 400; e João Simões navegou algumas vezes o cunhado Paulo Pires. Poderão faltar alguns, mas a lista serviu de mote para a conversa com actuais praticantes de ralis que, agora ou até há uns tempos, fizeram parte do “8” titular que pegou toiros em nome da Terceira. Do mais velho para o mais novo: António “Toni” Ortins, Roberto Pires, Jorge Ortins e Marco Sousa. As perguntas foram simples e referiam-se às duas paixões em simultâneo: Os Forcados e os Ralis, como começaram ambas as ligações?...
António Ortins, “Toni” para quase todos, 41 anos, é o responsável pela adesão de muitos jovens à arte da forcadagem. Começou, segundo diz, já “um pouco tarde nos toiros…tinha 21 anos e inscrevi-me na Tourada dos Estudantes, Tinha um primo (Ildebrando) que já era Forcado, e era uma coisa que desde sempre tivera vontade de experimentar. O gosto já era antigo e fui depois escolhido – pelo João Hermínio – para integrar o Grupo sénior, e por lá continuei durante largos anos”. Uma faceta importante da sua carreira como Forcado foi “a criação de um Grupo Juvenil, ideia que partiu do Américo Cunha, que depois se foi embora para a América. Fiquei então com essa responsabilidade e foi uma coisa que me deu grande gosto de fazer. Muitos dos miúdos que vi começarem são hoje grandes Forcados, ou já o foram. Foi um trabalho que deu e, agora com outros, continua a dar frutos”. “Toni” Ortins despiu a jaqueta nas “Sanjoaninas” de 1997 e deixou a sua marca de valentia nos Forcados locais. Quanto aos ralis a história é simples: “Sempre disse que havia de fazer um rali, nem que fosse com um carro alugado…Um dia apareceu-me no T.A.C. o Raul Ventura, com o Paulo Mariano, a dizer-me que tinham um carro para me alugar, e me davam assistência. Era um Peugeot 106 e fiquei em segundo da classe. Depois adquiri um Toyota Starlet, passando depois para o actual Yaris…e agora se o conseguir vender, talvez dê um saltinho maior…se não fica assim que é um bom carro e muito fiável. Era também um gosto de juventude e que, agora, posso concretizar…”
Roberto Pires, 34 anos, é o navegador do rápido Alexandre Melo (“Maúrça”), piloto que impressiona com o pequeno Renault Clio 1200 e que venceu a primeira edição do Troféu dedicado ao modelo francês. Agora fora dessa luta continuam a fazer provas em bom ritmo e são sempre candidatos em termos da Classe 5. Roberto esteve “quase a entrar para os Forcados ainda muito novo mas, azar dos azares, a altura coincidiu – em 1989 – com uma Corrida em que faleceu um forcado continental na Praça Ilha Terceira”…e o sonho de criança foi adiado. Mais tarde, já com 22 anos “decidi que era altura de entrar para o Grupo e fardei-me pela primeira vez numa Tourada dos Estudantes, mas sem dizer nada em casa. Tinha a família toda na bancada e calhou-me em sorte pegar um novilho. Ainda ninguém me tinha reconhecido na trincheira, mas estranharam que não os tivesse acompanhado. Vi as coisas mal paradas quando, na altura de citar, o meu Pai se levantou na bancada…mas felizmente ele entendeu o meu gosto e apoiou sempre a minha actividade como Forcado.”. Nos ralis Roberto Pires seguiu uma paixão que alimentava desde miúdo: “Tudo que tivesse rodas, motor, e fizesse barulho, me prendia a atenção. Sempre segui todos os ralis, cá na ilha e fora dela, e também gostei sempre de Formula 1. Quando surgiu a oportunidade de acompanhar o “Maúrça” nem pensei duas vezes. E agora cá estamos sempre a tentar dar o nosso melhor e enquanto for possível faremos ralis…”
Jorge Ortins, 28 anos, entrou para os forcados por influência directa do tio (“Toni”), e com ele disputou, no banco do lado direito, todos os ralis da sua carreira. Da mesma forma que aos dez anos se fardou pela primeira vez no grupo Juvenil, para pegar entre rapazes bem mais velhos e corpulentos, foi sob essa influência que vestiu o fato de competição e começou a “cantar” notas: “O Toni foi sempre para mim como um ídolo e, naturalmente, segui os passos dele na carreira de forcado. Entrei muito novo e isso, felizmente, fez-me ganhar bastante experiência, que já foi útil em alturas difíceis.” Sendo Forcado há já 18 anos (é um dos mais antigos em actividade e fardou-se aos 16 anos com os séniores), Jorge é – juntamente com Marco Sousa – um dos responsáveis do grupo Juvenil da Tertúlia, actividade que cresce a olhos vistos, e agora com jovens de palmo e meio, já de faixa apertada e a aprenderem o cite correcto. Nos ralis foi também a “mãozinha” familiar a concretizar a estreia como navegador: “O Toni era Comissário de estrada e eu acompanhava-o sempre nos ralis…tal como com os toiros ia com ele para todo o lado e, quando apareceu a oportunidade de fazer um rali, logicamente que aproveitei. Só fiz ralis com ele, e espero que continuemos juntos mais uns bons anos…”
Marco Sousa, 29 anos, é um dos mais tecnicistas “caras” da Tertúlia Terceirense. Fardou-se, ainda pelos juvenis em 1995, passando na época seguinte ao Grupo sénior. Desde então muitos foram os bons momentos de uma ligação que está para durar: “Sempre gostei muito de toiros e, até por motivos familiares, a paixão já era grande. Embora ligeiramente mais tarde que o desejado, cumpri um dia o desejo de ser Forcado. Foi o “Toni”, na altura o Cabo do Grupo juvenil, que me incentivou a começar, e hoje em dia mantenho-me no Grupo, onde continuarei enquanto achar que me sinto bem”. Paralelamente divide com Jorge Ortins – no Grupo juvenil da Tertúlia - a difícil tarefa de incutir nos mais jovens os conhecimentos e a vontade desta antiga tradição. Quanto aos ralis, Marco Sousa, que já passou pelas motos e pelo Karting, apenas seguiu uma vontade também com alguns anos…e “apadrinhada” pela mesma pessoa: “Tudo começou numa brincadeira de amigos em que surgiu (assim de repente…) a oportunidade de alugar o Yaris do Toni no Ilha Lilás do ano passado, que ele não ia fazer…logo percebi que não ia ser fácil deixar de correr. Depois, juntamente com o meu navegador (Miguel Bendito), conseguimos comprar um carro que, embora não sendo uma grande máquina, vai dando muito bem para matar o gosto e para nos divertirmos…”
Com este lote de Forcados “motorizados”, que são quatro, ou seja metade da formação necessária para pegar um toiro, facilmente se percebem as ligações que as actividades que envolvem algum risco…e até alguma visibilidade (a que se associam as bonitas imagens que acabam sempre por criar…) podem ter umas com as outras. Neste(s) caso(s) concreto(s) ganas e muita vontade são traços comuns em todos eles. E até para quem achar merecedor, experimente a soltar - à passagem de um certo Toyota Yaris, de um certo Renault Clio 1200, ou de um certo Fiat Uno Turbo – um valente Olé! Não vai é haver volta à Praça!...
Nota: Texto publicado nas edições de Setembro da "Rotações Magazine" e da "FACTOS". E n' "aUNIÃO" de ontem...