Têm recentemente surgido opiniões, e atentem os mais bairristas (se é que assim aceitam que os designe…), pondo em causa o espírito festivo dos terceirenses. Nomeadamente, e como não poderia deixar de ser, dadas as comparações que se vão fazendo da ilha lilás face à “febre” de festividades que retumba na Ilha do Arcanjo, com especial incidência na maior cidade do arquipélago que, em olhar largo, parece sedenta de recuperar anos de “atraso” e se abalança a, muito rapidamente, ficar com anos de “avanço” na matéria. Mas Ponta Delgada, mais do que isso, prima pela inovação e pelo aproveitamento da imaginação dos seus criadores. Ou não pensem que todas as iniciativas saem de ofícios e gabinetes.
Esta introdução pode parecer crítica ao que se vai dizendo mas não é. Pode também parecer de inveja, mas isso então muito menos. Acho que é perfeitamente aceitável que alguém que nunca saiu de casa para dançar desate, de repente a fazê-lo de manhã à noite. Como tal a parafernália de festas e cortejos que se fazem para os lados do Campo de São Francisco a mim nada incomoda. Ainda há dias por lá andei e achei bem agradável o convívio. E faz bem às pessoas esse convívio, desde que salutar e, acima de tudo, se as fizer ganhar mais que o puro ócio. E agora sim a justificação para versar este tema: O que é que levamos na alma para casa após cada um destes eventos? Sejam eles o tipo de festas ou cortejos que forem? Que mensagens têm eles para fazer passar? Que recordações emanam num futuro mais ou menos distante ou, mesmo a calhar, ainda se lembram dos temas e cores de cada um deles?
Não queria directamente focar as recentes “Sanjoaninas”, sobre as quais quase me escusei a falar na altura porque, de facto, desenvolver actividades para o público em geral é, quase sempre, inglório. Ou porque as pessoas não têm a noção de quanto custa (em todos os sentidos…) pôr festas na rua, ou simplesmente porque há o hábito e o condão de tudo criticar…desde que seja feito! Não é difícil traçar um paralelo com o que está a acontecer em Ponta Delgada, apesar de muitos se esquecerem que as dimensões dos burgos em questão são tudo menos semelhantes. Mas podia aqui recordar a minha permanente irritação de cada vez que alguém (com ou sem responsabilidades políticas…) se referia a Angra como a “Capital Açoriana da Cultura”. Não o era nem o é. Os Açores não têm capital de coisa alguma, e as que havia (de Distrito) eram de outros tempos. Ou então indago por onde andará essa suposta distinção? É que não é isso o importante se de toda a actividade cultural as pessoas (que são servidas com ela – entendendo-a como pública -, mas também a pagam…) não tirarem qualquer ilação ou vejam daí os seus horizontes alargados. Ora isso, vindo de gente que sempre primou por ir e ver mais além, tem toda a lógica. Alargar expectativas de programas festivos, tudo bem. Mas também aumentar o retorno de ensinamentos ou virtudes que daí poderão advir, principalmente.
E foquei as “Sanjoaninas” por serem a montra maior desta nossa Angra em termos de visibilidade no exterior. Não opinando sobre a divulgação que lhes é devida, pois desses dados não tenho informação, mas sim porque podem constituir o meio privilegiado para valorizar (dentro e fora de portas…) as qualidades e valores da nossa terra. Angra, cidade classificada como Património Mundial da Humanidade, é o maior valor que temos como adquirido. E dele pouco nos temos feito valer. Justiça seja então feita a quem batalhou para que essa realidade existisse. Afinal foi ela a confirmação, por meio de uma entidade mundial, do significado que tem tido esta nossa terra como exportadora de raízes, entreposto de hábitos, e empreendedora (uma qualidade tão em voga nos meios políticos de agora…) na sustentação dessas mesmas raízes e hábitos. Esta Angra que, ao longo dos anos, tem sido “Salgada e Doce”, “Cidade do Mar”, “Cidade taurina” e cantada ao luar…é tudo isso. No seu todo e numa mensagem global de ares próprios e características únicas. Mas que perdem por se verem pouco esclarecidas. Passam-se os anos e a designação “Património Mundial” parece um acréscimo ao “Heroísmo” cunhado por Garrett na Angra sinónimo de pequena baía ou enseada.
Tirem das gavetas as ideias para mistificar a nossa cultura e valores próprios em conjunto com as vivências diárias. Expliquem a quem passa nas ruas porque se chamam elas assim (a Garoupinha, a Carreira dos Cavalos, o Alto das Covas ou a Guarita…), mas de uma forma acessível e criativa. Aproveitem-se as novas tecnologias para disponibilizar aos menos instruídos o espólio de riquezas que esta nossa baía viu passar. Aliás esta baía, onde anda ela? O que é que está pensado para perpetuar a sua importância para além de uma mega-zona de recreio e lazer? Outra vez só o ócio? Que se pegue nas “Sanjoaninas” e se ensine às pessoas que o facto de existirem não é apenas para lhes encher os olhos e bocas por uns dias, mas porque as festividades têm origens e significados. Porque há toda uma corrente que vem desaguar nos actuais desígnios mas que nem sempre foi feita com o recurso aos fundos comunitários ou aos patrocínios das grandes firmas. Tentem entender, e não deve ser difícil, que até o propalado destino Terceira como meta turística, só tem sentido de promoção se primar pela originalidade. Caso contrário resume-se a uma cópia de outros programas…só que mais caro e, muitas vezes, bem mais mal servido.
Em suma, e sem ser negativo, não estão mal as coisas assim. Simplesmente não estão…as “coisas” desta gente têm valor próprio. E estão a amarfanhá-las em embalagens cujo conteúdo não condiz. Abram as vistas e façam como os antigos. Se lhes ganhámos o nome, então que usemos também da mesma perseverança. Angra, Património Mundial. Esse sim é um mote de festa. Mas para ser vivido no dia a dia. Até sem precisar de palcos…
PS-O título destas linhas destina-se apenas a Angra. Mas sem o mínimo intuito de diminuir as Festas que se fazem na outra cidade terceirense. Simplesmente, e para mim, Angra é ainda a “Cidade” e a Praia (também cidade…) o outro sítio onde também se fazem festas. Que me canso de dizer não são de comparar às “Sanjoaninas”. Completam sim, com crescente qualidade, o colorido ramo que esta terra tem para oferecer aos seus e aos de fora. E aproveitando com mais imaginação os seus recursos…