Afinal Cavaco nunca foi um homem consensual e a sua postura como líder do Governo, entre 1985 e 1995, foi de desgaste progressivo, até abandonar o cargo numa posição de quase ruptura com o cargo. O que não o impediu de defrontar Jorge Sampaio na corrida à sucessão de Mário Soares em Belém na qual, felizmente digo agora, foi derrotado pelo até então Presidente da Câmara de Lisboa. E digo isto assumindo que, na altura, votei no dito, facto que me deixa ainda mais à vontade para agora nunca o fazer. É que os remorsos, tal como os tempos, revelam sempre ser bons conselheiros. E refiro-me propositadamente ao factor tempo para, de algum modo, vislumbrar esta tendência aglutinadora de intenções de votos naquele que já foi o candidato do bolo-rei. É que Cavaco, meticuloso e rancoroso como aparenta dever ser, esteve a cozinhar a sua recandidatura ao mais alto cargo da nação durante uma década. Vai daí que se desligou, a bom tom, da actividade partidária na área laranja. Vai daí que passou a, em espaços comedidos mas sempre com uma forte carga mediática a jogar a seu favor, apenas intervir na vida pública quando sabia que esse facto abonaria a seu favor. E não a favor dos portugueses, como muitos, inocentemente, continuam a pensar. Vai daí que deixou descalços todos os líderes que lhe sucederam no PSD, com excepção do primeiro Fernando Nogueira -, já que esse entrou queimado logo para o único confronto eleitoral a que se propôs como cabeça de cartaz. Vai daí assumiu e criou uma crescente categoria, habilmente patrocinada e amplificada pela Comunicação Social, de salvador da pátria e que sabia com rigor o melhor destino a dar ao país em toda e qualquer situação de maior cuidado. Ou seja exactamente o oposto do que, na prática, deixara como recordação aquando da sua estadia em São Bento. E, falte-lhe ou não a vergonha na cara, é com um desplante atrevido que agora se assume com esse e ainda com outro papel. É que, para além de se anunciar como verdadeiro Messias imbuído do mais puro espírito de missão, Cavaco Silva tem agora um segredo de valor elevado: Descobriu que a sua verdadeira vocação não é governar (o que fez quando no rectângulo luso pingava um milhão de contos europeu por dia ), mas antes ajudar a que outros de uma cor politica exactamente contrária à sua possam levar avante todas as suas vontades e intenções! Isso mesmo. O afável e simpático moreno de Boliqueime está agora numa de embaixador da paz e da coerência e já só falta dizer a José Sócrates que mais valia ter sido de consenso a sua candidatura a Belém, teria 70% dos votos e todos viveriam em alegria e sossego. Meus senhores e caros leitores (se ainda aí estiverem e acredito que sim ). Vão nesta cantiga? Então não é claro que a equipa da candidatura cavaquista endeusou à viva força o professor? Que a máquina da Comunicação afecta ao PSD o tem trazido ao colo para, a partir de Belém, tentar conseguir por vias e travessas o que os portugueses não lhes atribuem nas urnas? Não é claro que a visível posição de desgaste do actual governo, cujo partido ainda cometeu o feito de apoiar um candidato presidencial que de vencedor apenas tem recordações, em tudo beneficia esta auréola virtual que Cavaco transporta na mesma feição da careta de há uns dias? Então não é claro que durante toda esta campanha eleitoral o professor se esquivou a tudo que pudesse fazer rebentar as costuras da máscara de contenção a que se cingiu de forma a chegar à meta que traçou já lá vão dez anos? Então não se vê logo porque é que recusou debater com os outros seis candidatos na Antena-1 no último dia de campanha (depois de amanhã)? Não é mais que perceptível que é a partir de uma falta de memória atroz do nosso povo (que, infelizmente, sofre muitas vezes de tal maleita ) que estes resultados apontados pelas sondagens se vão mantendo? Não estaremos, e aqui até me incluo no barco (por mor do meu pecado de há dez anos ), a incorrer num erro grave ao fazer eleger Cavaco como o nosso mais alto representante, sabendo da forma prepotente como já agiu no passado? Não se aclara aos olhos de todos que a presente divisão de candidatos no espectro da esquerda apenas beneficia Cavaco e que o mesmo está a ver se pega assim no cargo pretendido, bem esquecidinho e silencioso, logo à primeira rodada de boletins? E, numa última e claríssima interrogação, acham que alguém muda assim de uma década para a outra? Mas acham mesmo? Eu não acho
Podem sim é mudar os eleitores. Pois é nas mãos desses que está o poder de eleger ou não alguém. Exactamente os mesmos que tanto se queixam de um governo que, ainda há poucos meses, lhes ia resolver todos os problemas. As coisas são assim, ou seja nem sempre como as pintamos na paleta da nossa esperança.
Não vos peço que votem como eu. Embora seja essa a minha vontade. Mas que dêem oportunidade para que haja um confronto directo entre dois candidatos, não se acentuando assim um desequilíbrio que apenas foi causado pela teimosia do líder do partido do Governo em não apoiar um candidato lógico e que logo se disponibilizou para representar a esquerda democrática a que, mas cada vez menos, o Engº Sócrates parece pertencer.
Apenas isso.