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Muitas vezes escrevo sobre coisas pessoais, outras sobre coisas banais, mas quase sempre tento dar um ar leve e despreocupado a estas crónicas
não vão elas deixar de cair no goto de alguns dos seus seguidores mais próximos. Pois, e virando-me de novo ao campo pessoal ou não
- tentei passar a minha interpretação relativamente a alguns espirros. Isso mesmo, espirros
Ora então, o espirro é uma função fisiológica originada pelo movimento súbito e convulsivo dos músculos da respiração, e produzido ordinariamente por excitação da membrana pituitária. O acto de espirrar chama-se esternutação, vem do latim esternumentum. Os antigos gregos e romanos tinham no espirro um presságio de grande significação. Aristóteles, filósofo grego que viveu de 384 a 322 a.c., ensinava assim aos seus discípulos: "O homem inspira e expira pelo nariz, pelo que o espirro é afinal expelir a respiração recolhida, e torna-se o único modo de expiração usado como presságio, sendo considerado como sobrenatural". O povo envolveu o espirro numa tela misteriosa servindo-se dele para manifestar bons desejos e pedidos de felicidade. É comum quando alguém espirra dizer-se Saúde!, Felicidade! ou Viva!, porque o espirro é sinal de boa sorte
quando não é de gripe. Tudo isto é fruto de alguma pesquisa, mas ainda sem o cunho pessoal que gosto de dar às coisas que escrevo.
É que eu tenho, de facto, uma relação estranha com (alguns) espirros. Julgo que por razões que a alergologia um dia irá explicar e, ocasionalmente, tenho ataques de espirros contudentes e agressivos. Na ordem dos vinte e trinta, sendo que já cheguei ao recorde de contar 47 espirros em curto espaço de tempo. Posso até basear-me no factor genético para esta particularidade, afinal o meu querido Avô Fernando espirrava energicamente quese todos os dias de manhã. Mas não se pense que ando aí a espirrar por tudo que é lado, nada disso. Os meus espirros estão normalmente relacionados com longas refeições ou acontecimentos do género em que a realidade dos pés debaixo da mesa e a barriga cheia prevalece
Ou seja, à primeira vista poder-se-à ligar os meus sinceros espirros a alguma má relação com ementas de elevado valor calórico, vinho tinto de boa colheita, ou cerveja estupidamente gelada. E é isso que me preocupa. Pelo que me dei ao trabalho de ir juntando estes motivos ancestrais que elevam os espirros de mero incómodo e asseguro que um ataqunho de 25 espirros numa boda de um casamento é de todo incómodo
- à posição de presságio de felicidade ou fenómeno sobrenatural a agraciar uma situação de prazer.
Por exemplo, na Noruega se um doente espirra não morrerá. Acreditam mesmo, os noruegueses que até vivem num dos países mais desenvolvidos do Velho Continente
-, que o espirro é a confirmação daquilo que se pensa. O mesmo acreditam os cossacos siberianos.
Quase todo o povo tem a sua superstição sobre o espirro. Em alguns clãs africanos é considerado uma ofensa espirrar na frente do Rei ou, se no momento de se casarem um noivo ou uma noiva espirrarem, tal pode ser sinal de má sorte. Enfim cada cabeça, sua sentença ou, melhor ainda, cada espirro tem a sua interpretação própria como se de uma obra de arte ou habilidade se tratasse. Isto tudo para resumir e os meus mais próximos amigos que os vão contando por aí
- que, muito certamente, vou continuar a espirrar. Até porque isso apenas acontece em ocasiões especiais, por norma bem alimentadas e regadas, assim bem em jeito de elegia ao que se comemore na altura. E num claro sinal de que, cada um com a sua arte, estarei a contribuir para enaltecer o acontecimento e levá-lo longe no tempo pela recordação (também) de novo ataquinho de espirros. Ou, se quiser ser mais rigoroso, de cada vez que for acometido de sistemáticos movimentos súbitos e convulsivos dos músculos da respiração
Poderia ainda falar de Temístocles, general ateniense que viveu 525 anos antes de Cristo, de Xenofonte, historiador, filósofo e general ateniense que viveu 430 antes de Cristo, de Ulisses, Penélope ou do seu filho Telêmaco, como forma de dignificar ainda mais no longo mar dos tempos idos o singelo acto de espirrar.
Mas, mais não digo. Atchim!