Na verdura da minha infância era useiro e vezeiro o passeio ao Monte Brasil. Ora, para uma criança (e eu sempre fui miudinho até meio da adolescência
), todo aquele imenso verde impunha respeito. Como impunham respeito os tropas que batiam pala e anotavam as matrículas dos carros. Como impunham respeito as bocas vorazes dos primeiros veados que comiam folhas até às pontas dos nossos dedos, ou os patos que por ali passeavam longe de saberem da triste realidade dos primos da Lagoa da Falca
A passagem pelo Pico das Cruzinhas passou a ter um interesse redobrado depois do sismo de 80. Dele se avistavam os aglomerados de obras de uma cidade ainda marcada pela dor, cujo desenho quinhentista genial parecia indicar um futuro equilíbrio que nem sempre soube prevalecer. O epíteto de miradouro da Cidade nem cabia bem ao Monte Brasil. Afinal até eu, do alto do meu metro e trinta, me sentia muito mais do que isso quando andava pelos picos gémeos que olham Angra com carinho.
Pois os tempos passam-se e a nossa maneira de ver e sentir as coisas vai também envelhecendo, e nem sempre pelo bom caminho. Há coisa de três meses fui ao Monte Brasil, afinal com o local fui sempre cultivando a relação de infância e por lá corri grande parte dos distantes quilómetros que ainda guardo nas pernas, e a primeira impressão foi de que o tempo de facto - por lá teria passado, agora se alguma melhoria lhe trouxera
aí fiquei sem resposta
Há coisa de duas semanas, e no final de uma das jornadas do Circuito da Boavista, atravessei com a minha Anita o Parque da Cidade do Porto. A infraestrutura, que isso mesmo é pois nasceu sobre pedreiras e zonas de despejo, idealizada por Sidónio Pardal (e talvez das poucas coisinhas que Fernando Gomes terá deixado paga pela Invicta
) é um exemplo excelente do que todas as cidades necessitam. Uma ampla zona de lazer onde a natureza e a utilidade se cruzam em harmonia. Exactamente o oposto das propaladas zonas verdes, das quais não posso falar, pois não tenho a mínima apetência ou sabedoria para escrever de canteiros, florzinhas, ou árvores raquíticas cujo destino é serem substituídas por outras idênticas. Nem tão pouco quero falar de rotundas com pétalas garridas ou de relvados de futebol criados para fazer crescer as manchas verdes em decadência pelo país. Se assim fosse teria a crónica que referir-se também à hedionda construção que grassa por este Portugal ardido, e entraria pelas fontes e monumentos de gosto duvidoso. Mas, nada disso. Quero falar de verde, mas de verde puro. De árvores, de plantas, de caminhos mais ou menos descuidados, onde a terra nos convidasse a passear, onde sentíssemos a liberdade da Mãe Natureza no seu melhor estado e onde o nosso respirar fosse tão só a prenda dada por desfrutar da sua magia. É isso que cada vez mais é necessário. Sem cores artificiais nem plásticos. Sem o recurso à zona de churrasco e ao bidão de lixo vazio que a acompanha
Numa altura em que se começam a desenhar, para o grande público, as ideias das principais candidaturas à Câmara desta nossa cidade, que melhor altura para também eu vir dizer de minha justiça e de como todo aquele verde nos pode servir para mais do que paisagem? Sabendo que o relevo e a natureza da zona não são iguais às dos parques que por aí pululam, acresce-me à ideia seguir os passos dos nossos antepassados que criaram a maior fortaleza do Atlântico usando essas mesmas características por ideiais de defesa. Pois que se crie uma zona em que o equilíbrio de funções vença o palaciano vício de botar figura. Minimizando os perigos que as encostas do Monte Brasil apresentam para uma utilização de lazer, julgo que toda aquela área seria um desafio em grande escala para lançar aos técnicos das diversas áreas que ali poderiam criar. Na verdadeira acepção do verbo e com o intuito de mexer o menos possível na base, sendo uma intervenção concisa mas amplamente justificável. Das vertentes meramente científicas da questão à imperiosa utilização do bom gosto e do bom senso, penso ser o Monte Brasil um filão de saúde e pacatez a explorar. Sem concessões nem concursos. Apenas com recurso à imaginação e ao bem estar. Afinal a coisa pública destina-se a engrandecer a qualidade de vida dos cidadãos, e mais matéria prima do que ali está não vejo agora de memória