Aprendi a ler bastante cedo (pelo menos para a altura), juntando a curiosidade natural a preciosas ajudas, especialmente do meu Avô Fernando e da minha Mãe. Não sei bem, mas teria aí quatro anos, quando este "vício" se instalou para sempre. Lembro-me de ler num daqueles Candeeiros-Globo, cujas cores e tonalidades ainda me despertavam mais a cobiça de saber o que lá estava escrito, utensílio no qual cometi a primeira "gaffe" ao ler "Índia" sem acentuar no início da palavra...coisas de "maçarico" nas andanças das letras! E sem bem me aperceber galguei terras naquele candeeiro, passando dos Açores a Inglaterra na boleia de Enid Blyton, da colecção "Mistério" e dos "Cinco", fazendo a rota habitual de quem descobre as palavras com a ajuda do amor na transmissão. Por isso entrei na Escola Primária já apto a "preguiçar" de vontade dados os passos de avanço que levava, postura que infelizmente não levou a grande brilho académico. Mas o gosto de ler crescia a olhos vistos e a selectividade naturalmente apareceu, relegando as matérias escolares para segundo plano e cultivando já paixões por vários temas. O pior era para dormir! Sempre fui dado a insónias e julgo que esta militância precoce no seio dos leitores compulsivos foi um estágio eficaz. Sabedora das minhas aptidões noctívagas e das inatas razões que me faziam "dormir" debaixo dos cobertores a ler, a minha Mãe, sempre pertinho, preencheu mais uma das folhas dos seus cadernos de enlevo:
Para o Miguel
De livro na mão, aquele menino
Só gosta de ler, é o seu destino
Se acaso os amigos o vêm visitar
Fica furioso do livro fechar
"É tarde Miguel, fecha o livro e dorme!"
Mas lá continua Que desejo enorme
De passar a noite com o livro aberto
Nunca vem o sono, está sempre desperto
Dorme, meu filhinho, segreda a mamã
Quem é que te acorda, cedo, de manhã?
Mas que sonho lindo. Aquela aventura
Enche o coração d'alegria pura!
Alda Sousa Azevedo - Feito para o Miguel, que quando era pequenino lia, lia. E contava à Mãe o que tinha lido. Lembras-te?
Se as letras e as palavras, tal qual naqueles tempos de descobertas e brilhos, fizessem com que, também fisicamente, o Tempo voltasse a correr...