25.Jan.06
Parabéns, Eng.º Sócrates! (crónica)
Poderia ter escrito algumas linhas ainda no Domingo à noite, ou mesmo na Segunda de manhã, quando a temperatura dos humores ainda acusava o calor do desalento verificado na noite eleitoral, face aos resultados verificados e que culminaram com o discurso de vitória de Cavaco Silva, eleito à primeira volta 18º Presidente da República Portuguesa e o sétimo após a Revolução dos Cravos de 1974. Mas assim não o fiz. Assim resolvi passar à prática a teoria de que não há melhor que descomprimir e relaxar antes de passar a letras e frases qualquer estado de espírito. É aconselhável, até porque qualquer estado de euforia ou tristeza pode cessar a todo o instante, enquanto as subsequentes noções escritas da sua passagem ficam eternizadas no papel. Respirado fundo o ânimo pós-eleitoral e acabei por não me manifestar de imediato. Ou seja, acabei por não vir para aqui dizer coisas do género -Agora aguentem-se à bronca foi o que quiseram!, ou -A casmurrice venceu e a divisão da esquerda tem apenas um culpado , ou até -Se calhar julgam que ele agora vai ser assim bonzinho durante cinco anos de fio a pavio Nada disso. As eleições fazem parte do processo democrático e é preciso saber aceitar os resultados como sendo a vontade do povo. Ele é soberano, assim como as asneiras em que as suas escolhas possam ou não resultar. E claro que não fiquei contente com a vitória de Cavaco Silva à primeira (ou que fosse à segunda ) volta. Até porque o facto impediu que houvesse um confronto directo entre apenas dois candidatos que pudessem personalizar os espectros de direita e esquerda, podendo ser assim o dito Centrão que descai ora para um ora para o outro lado conforme os (tais) humores de que há pouco falava -, o decisor comum, tal como nos últimos actos eleitorais da pátria lusa.
Contentes devem estar, pelo menos, três pessoas a esta hora. A primeira e de maior saliência é o Secretário-Geral do Partido Socialista (que acumula com o cargo de Primeiro Ministro ) José Sócrates. Contente por não ter apoiado em tempo devido uma personalidade como Manuel Alegre para personalizar uma candidatura aberta a toda a esquerda democrática. Contente por ter forçado Mário Soares ao último combate da sua carreira política e que acabou na saída por uma porta notoriamente pequena. Contente por ter mobilizado vários dos seus ministros para a campanha de Soares, deixando passar para a aura do Governo a derrota pessoal do ex-presidente. Contente por ter interrompido Manuel Alegre quando este fazia a sua declaração (ponderada e inteligente, por sinal ) após o conhecimento da vitória de Cavaco, tendo na altura referido que nada mais tinha a acrescentar ao que o porta-voz do PS veio atabalhoadamente dar desculpa no dia seguinte, referindo que ninguém dera pelo início (!) do discurso de Alegre. Contente ainda por ter sido entretanto divulgado que tinha uma alocução alternativa para o caso de haver uma segunda volta, e na qual apoiaria incondicionalmente a candidatura de Alegre. Senhor Primeiro Ministro, que sucessão de tiros nos pés! Incompreensíveis para quem arrasta ainda a muleta de uma recente queda na neve branca de umas férias retemperadoras. Terão gelado a perspicácia inicial deste nosso Primeiro?...
Contente deve estar também Jerónimo de Sousa. Não pelo nível da sua campanha, que até deve ser considerada como positiva pela forma como focou alguns assuntos. Mas simplesmente pelo facto de a ter mantido até ao fim, permitindo assim que a direita (que, pela sua forma de o pronunciar é assim uma coisa assemelhada à peste negra ) pudesse eleger o seu candidato logo ao primeiro embate.
Mais contente ainda deve estar Francisco Louça que, na busca incessante de protagonismo (talvez não se aperceba que já todos o conhecemos ), não se escusou a um discurso final em que mais parecia ter sido ele o vencedor das eleições. Não fez mais que Jerónimo e não permitiu nada mais que o líder comunista. Conseguiu, isso sim, foi ter menos votos
Resta-me, em jeito de despedida, aqui sim reeditar o que escrevi logo na Segunda-feira de manhã. Depois de reconsiderar se daria ou não os parabéns (para além dos que viriam a titular esta crónica de hoje ) a alguém pelos resultados alcançados:
Parabéns, Manuel Alegre.
Obrigado por fazer renascer em muitos a chama de que as pessoas são maiores que as siglas e as militâncias. No meu caso e de tantos outros, onde essa esperança apareceu pela primeira vez, nada mais haverá a dizer senão: Esteve quase. Tão quase como poucos haveriam de crer...
Obrigado pela lição de palavra e atitude. Pela voz, pela postura. Por uma beleza inerente à vida dos que a pensam e enfrentam com o coração.
Definitivamente foi aberta uma brecha no cinzentismo que rodeava os actos eleitorais. E essa cor cheira a Poesia. E às mãos que tão bem a criam.
Parabéns.