Dar…como princípio de festa (crónica)
No início deste mês de Agosto dei por encerrada uma tarefa, que se estendeu por três anos consecutivos, e que considero cumprida com o maior prazer e a possível dedicação: ser mordomo e integrar uma comissão de Império, em prol do culto ao Espírito Santo, e tentando manter vivas tradições muito nossas. Passou-se na Guarita, concretamente no Império dos Inocentes daquela movimentada artéria da nossa cidade, sendo que ao convite inicial para encabeçar uma comissão, que foi “acompanhado” pelo usual repto de que “ao Senhor Espírito Santo não se diz que não”, respondi com algum receio, e mesmo se os meus quatro caros amigos, logo contactados, não viraram a cara à tarefa, aceitando a deixa ao primeiro telefonema. E em poucas horas estava feita a comissão, levantando-se de imediato as inerentes dúvidas sobre como desempenhar o papel, face a uma população onde o culto atrás referido está enraizado e é fortemente sentido. Organizar uma festa de freguesia rural, ou no caso de uma pequena localidade urbana marcada pelo seu Império, dá as mãos a um padrão de tradições que têm de se cumprir, puxando pela imaginação na hora de fazer com que as pessoas participem, e ainda mais quando a “concorrência” está ao pé da porta, suportada por meios e possibilidades de enorme monta. O verão terceirense há muito que deixou as festas e romarias no sentido obrigatório da deslocação diária, e mais pequeno seja o arraial menos povo lá aparece. Já é regra e contra isso valha-nos o convívio com os da casa. Afinal são eles quem pagam a festa, são eles que a ostentam orgulhosamente nas suas memórias, e são eles que abrem as suas portas no dia dos toiros, em toda a parte deste terra o epílogo desejado para cada festejo e a tarde predilecta para ter a conversa em dia e a barriga cheia. Esta gente é assim, e ainda bem! Desviando-me um pouco dos afazeres de mordomo ou ajudante – na Guarita e noutros lados apenas se “serve”, mas há definições que identificam as tarefas… -, achei por bem deixar por escrito que a alegria contida de se ter as luzes da rua acesas e os primeiros acordes de uma cantoria, face a mesas cheias e muito reboliço, é impagável. Para trás têm, obrigatoriamente, de ficar as horas perdidas com a burocracia das festas, os arrufos internos de quem pensa de maneira diferente, ou até os contrastes na maneira de reagir aos problemas. Mas esses serão apenas punhados do dia-a-dia que se transferem para a organização das mesmas, em episódios que se diluem nas recordações de se fazer para os outros com boa vontade, assim aprendendo que dar é uma capacidade que a sociedade actual não quer desenvolvida, pelo que nos vão valendo, nestas terras de gentes francas - e defendendo que pelas minorias não se estraguem as apreciações -, as tradições vincadas e o culto a esta terceira pessoa da Santíssima Trindade como um bem. Um bem que nos indica a mão do próximo como objecto de afago, e as dificuldades alheias como campo de dádiva. Sem falsos altruísmos nem ambições públicas, apenas e só cumprindo uma vontade que devia ser de todos para que, pelo menos por aqueles dias, uma outra minoria os passe de melhor forma. Quer seja a sua carência de ordem económica, social, afectiva ou física. Nas nossas festas, que o princípio vá sendo mesmo o de criar para dividir…